Conversamos com frequentadores antigos do Café Nice, um dos mais tradicionais e charmosos de BH. Ouvimos histórias delicadas sobre a vida de cada um deles na cidade. O resultado são  alguns desenhos e relatos  sobre uma BH que se transforma.

Passar pela Avenida Afonso Pena faz parte da rotina de milhares de belo-horizontinos. Centenas deles param no Café Nice, onde consomem uma quantidade de cafés e pães de queijo que os donos do lugar chamam de “segredo de Estado”. A cafeteria é um longo corredor ladeado por balcões e sem cadeiras à vista que não a do caixa, capitaneado pela família Caldeira. Porém, ali pouca gente reclama da falta de conforto. Pelo menos da falta de conforto do Café, porque, sobre Belo Horizonte, surgem muitas reclamações.

O Café Nice funciona desde 1939, quando a jovem BH era ainda mais inacreditavelmente jovem, uma cidade com menos de meio século. Do número 700 da Avenida Afonso Pena, quem se sentasse a uma das antigas mesas do Café Nice enxergaria uma avenida plenamente arborizada, por onde serpenteavam trólebus e circulavam figuras como Juscelino Kubitschek e Fernando Sabino.

Alguns clientes das primeiras décadas do Café continuam lá. Agora tomam seus cafezinhos de pé e já não caminham sob a sombra dos fícus quando saem porta afora para a cidade. Sob seus cabelos brancos, guardam memórias de uma Belo Horizonte que ainda não tem tantas rugas de idade, mas cuja feição muda um pouco a cada ano.

No cartão do Café, lê-se: “Quem disse que o tempo só anda para frente? A memória de um lugar é vivida todos os dias por quem o frequenta”. Escorados ao balcão do Café Nice, ouvimos histórias de alguns dos frequentadores mais antigos do lugar – que é um dos preferidos na cidade para muitos deles.

Uma leitora entre café e mel

Wanderlina Miranda Melo e sua avó eram as únicas da família que bebiam café quando ela foi apresentada ao Nice na década de 60, aos 12 anos. Hoje, os dois filhos já adultos de Wanderlina compartilham seu gosto pela bebida, mas é somente ela quem frequenta o Nice toda semana. Em 59 anos de vida e mais de 40 de Nice, foi lá que ela conheceu algumas figuras ilustres, como Fernando Sabino.

A pequena senhora, apertada em seu casaco preto, lista uma coleção de celebridades políticas e literárias que conheceu no Café Nice, e é quando chega ao nome de Carlos Drummond de Andrade que faz uma pausa. “Ele eu não conheci”, ela diz, entre piscadelas ininterruptas, “Quer dizer, não assim, né”. Se não topou com o Drummond de carne e osso, do Drummond de papel e tinta certamente é íntima.

Wanderlina parece ser, antes de tudo e depois de qualquer coisa, uma leitora. Em meia hora de conversa, nos indica pelo menos três livros (“Jornalista tem que ler muito”, justifica) e ainda pede nossos contatos para indicar mais. Tentamos falar sobre a Belo Horizonte que Wanderlina conheceu na juventude, mas não é com pouco fascínio que somos conduzidos facilmente a uma história que ela parece apreciar mais: sua vida como apicultora. Ela nos conta que é perfeitamente possível ingerir um pouco do veneno de abelha, o que é fatalmente “não-recomendado” é aspirá-lo.

Wanderlina

Café a dois

Mal o casal entra no Nice, duas xícaras de café já os aguardam no balcão. Olímpio Baião Nogueira e Maria Aparecida são casados há 45 anos (“e três meses”, completa a senhora). Não começaram o namoro na porta de casa, como seria de praxe em uma relação à moda antiga. Iniciaram o romance pela janela da casa de Maria Aparecida, no bairro Padre Eustáquio, no qual Olímpio morou um tempo na casa de um tio.

Hoje, moram no bairro Glória e vão juntos ao Café Nice quase todas as manhãs. Olímpio deixa o carro no Padre Eustáquio e eles seguem o restante do caminho de ônibus, já que na região da Afonso Pena é quase impossível estacionar.

Rodeado pelas várias referências a Juscelino Kubitschek que enfeitam o Café, o casal rememora um período posterior e mais sombrio da história brasileira. Conheceram-se durante a ditadura. À época, Olímpio era recém-chegado a BH, vindo do interior de Minas, e estudava na Escola de Comércio. Lá, rapidamente tomou partido dos insatisfeitos com o regime militar. Conta que esteve prestes a assinar uma lista com os nomes de quem pretendia se lançar em uma investida democrática pró-João Goulart. O pai de Maria Aparecida era outro insatisfeito com o regime. Um acréscimo interessante à história é que era ele próprio integrante do Exército.

A conversa sobre política continua a se desenrolar. Não segue o caminho tradicional de discussões sobre partidos e propostas, mas a vereda das anedotas. Olímpio revela animado que Maria Aparecida já conheceu Aécio Neves. Não o senhor polido que protagoniza propagandas políticas, mas o adolescente que de vez em quando aparecia na fábrica de confecção de tecidos da tia no centro da cidade. O voto de Maria Aparecida não foi para Aécio nas eleições de 2014. E, a se julgar pelo modo como ela se refere à versão mais jovem do político, naquela época iria menos ainda.

Olímpio e Maria Aparecida

Belíssimo Horizonte

“Aqui é a Rede Globo, só vem artista. Aqui só entra celebridade.”, eis o resumo que Maria do Socorro faz sobre o Café Nice, seu local de trabalho por mais tempo do que a idade de qualquer um dos repórteres. Faz 22 anos que ela assumiu o posto detrás do balcão do Café, de onde avista de longe os clientes mais habituais chegando. Antes que eles se postem a frente da garçonete, ela já colocou no balcão o lanche favorito de cada um deles. O seu próprio é o pastel assado. Inevitavelmente acompanhado por um cafezinho.

Talvez o dia em que nós conversamos fosse particularmente feliz para Maria do Socorro. Ou quem sabe o pastel assado naquela tarde estivesse especialmente saboroso. O fato é que nenhuma tentativa de descobrir quais os principais problemas da cidade para a senhora gerou muitas respostas.

Maria do Socorro é apaixonada por Belo Horizonte. Veio para a cidade há 36 anos, saída “bem lá do fim do mundo” – de Malacacheta, mais especificamente, cidade do interior de Minas. Não mudaria uma vírgula da história que construiu na cidade. Se há algum acréscimo que faria a essa história são as reticências ao seu final, já que não pretende abandonar a capital mineira jamais.

Não é possível contar nos dedos a quantidade de políticos que Maria do Socorro já viu passar pelo Café Nice. Certamente foram muitas as mudanças tanto no país quanto em BH que ela presenciou, mas não tece queixas sobre nenhuma delas. Aguarda sempre um futuro melhor, que certamente receberá com um sorriso e uma boa xícara de café.

Maria do Socorro

Ele não ama BH radicalmente

Com mais de 60 anos, os movimentos de Manuelino de Paulo são tão enérgicos quanto suas palavras de reprovação à Belo Horizonte de 2015. Ele prefere conversar na porta do Café – onde há mais barulho que em seu interior – e lá já inicia a conversa com uma ordem de prisão a Jorge Carone, prefeito de BH no começo da década de 60, “o criminoso” que retirou as árvores fícus da Avenida Afonso Pena em 1963. Repudia veementemente essa medida tomada para ampliar a Avenida para os automóveis, mas, ao mesmo tempo, defende que acha que o lugar está cheio demais de pedestres. Por ele, ali só passaria carro e não haveria nem sinal dos ônibus intermunicipais. Os quarteirões fechados ao redor da Praça Sete? Total absurdo.

O piloto comercial já enxergou todo o país do alto. Quando se aposentou, porém, viajou pelo Brasil de ônibus e percebeu que não conhecia nada. BH ele conhece bem, mas não gosta do que vê. A única coisa que o prende aqui é a filha, que ainda não concluiu os estudos. Assim que ela se formar, Manuelino pretende se despedir da capital mineira definitivamente e abraçar o Rio de Janeiro (a cidade, porque a rua belo-horizontina homônima ele detesta). Até lá, frequenta o Café Nice todos os dias e, entre uma reclamação e outra, abre um sorriso quando fala sobre os amigos que sempre encontra no lugar.

Manuelino

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Gabriel Rodrigues

Só aprendi a tomar café com quase 20 anos. Nos próximos 20, ainda pretendo voltar ao Nice.

Ítalo Lo Re

Lista de coisas que consumi durante a realização dos desenhos: lápis 4B, canetas de ponta fina e café.

Kaio H Silva

Passei em frente e li Café Náice. O que não deixa de ser verdade.