Compartilhamos a história de feirantes que trazem arte e vida ao campus Pampulha

Por Cecília Amaral e Pietra Ramos

No campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais, várias vidas se entrelaçam: a de professores, alunos, funcionários e feirantes. Esses últimos podem passar despercebidos por observadores menos atentos ou por alunos que correm de uma aula a outra apressados, aqueles que vêem seus produtos talvez não tenham tempo o suficiente para conhecer um pouco das suas histórias. Mas é nessas histórias que estamos interessadas.

Iara Cristina: a beleza que vem dela se transforma em joias

É impossível não parar para admirar os brincos, pulseiras e colares da Iara nos dias em que ela monta seu estande na FALE (Faculdade de Letras). As bijuterias brilham convidativas, uma tão linda quanto a outra, tão hipnotizantes que alguns nem percebem a mulher do outro lado das joias. Mas ela está bem ali e se mostrou aberta a conversar quando nos aproximamos.

Iara Cristina dos Santos (55) não escolheu o ofício de produção de bijuterias, foi o ofício que a escolheu. Seus irmãos já trabalhavam no ramo há algum tempo quando ela se juntou ao negócio e começou a montar peças com eles, seguindo a tradição familiar. A paixão pelo trabalho cresceu tanto que ela se lançou em uma jornada própria que começou há vinte anos em um local específico: a Praça Sete.

Iara e seus produtos na feira da Fale – UFMG. Foto autoral.

“Eu era da Praça Sete. Sabe os hippies da Praça Sete? Eu era daquele grupo”, ela nos conta. “Aí eu entrei na Economia Solidária, fui fazendo as formações, fui crescendo, aí eu vim ‘pras’ feiras.” Seu envolvimento com a Economia Solidária, suas formações e o crescimento contínuo a impulsionaram a migrar para as feiras, o que a tornou um ponto de referência no cenário artesanal. 

Colares vendidos por Iara em seu estande. Foto autoral. 

A FALE é apenas um dos pontos de venda da Iara na UFMG. Ela também já participou das feirinhas da Praça de Serviços e da feira de economia popular e solidária na FACE (Faculdade de Ciências Econômicas). Mas é na Feira Hippie de Belo Horizonte, que ocorre todo domingo na Avenida Afonso Pena, que o espaço de trabalho também se torna um momento familiar. Sua loja se chama “Além da Arte” e conta com uma  equipe de quatro pessoas formada pelo marido, filho e sobrinha. “Todo domingo ‘tá’ a família na Feira Hippie. Vai lá ‘pra’ você ver, é Thainá, Pedro, Sérgio e eu”, ela compartilha com um sorriso. 

Colares vendidos por Iara em seu estande. Foto autoral. 

Mas a vida da Iara, como a de todo mundo, não se resume só ao trabalho. Sua fé a move todos os dias, ela adora passear no tempo livre e quando perguntada sobre planos futuros, Iara conta que não vê a hora de poder descansar da rotina corrida e árdua do trabalho. “Para o futuro eu quero desacelerar, ir ‘pra’ roça (risos)”. Ela não tem ambição de montar uma loja de bijuterias, ela é das feiras, onde permanece expondo sua arte para todos que possam ver.

Márcia Luíza: sonhos que tomam forma pelo artesanato

Foi na feirinha da FACE que vimos a Márcia pela primeira vez. Sua barraquinha chamou atenção logo de cara pelos panos de prato bordados com frases criativas, as bonecas de pano caprichadas e os enfeites de Natal, tudo feito com maestria por mãos que nasceram para o artesanato.

Márcia, criadora do “Bordados Mil”, trabalhando na feirinha da FACE. Foto autoral. 

Márcia Luíza Coimbra (57) já participou de duas feiras ocorridas na UFMG. Por ser de Contagem, a distância é um fator que ela sempre avalia no momento em que precisa decidir de quais eventos participar. No entanto, sua filha tem o sonho de ingressar na UFMG, então as vindas de mãe e filha para o campus também são uma maneira de conhecer o espaço e se apaixonar cada vez mais pela vida universitária.

Márcia conta que suas experiências de vendas na UFMG são boas e que mesmo quando não consegue vender uma quantidade considerável de produtos, a divulgação do seu negócio no espaço sempre é bem-vinda. Entretanto, ela admite que a divulgação das feiras por parte da universidade poderia ser um pouco melhor, sendo realizada em outros prédios e com o objetivo de valorizar os artesãos e empreendedores que vão até lá.

Presépio artesanal feito e vendido por Márcia. Foto autoral. 

Foi em 2017 que a jornada com o artesanato começou. Apesar do ofício ser de família e ela sempre ter tentado aprender uma coisinha ou outra, foi depois da triste morte do marido e a perda do emprego que ela encontrou no trabalho manual conforto e uma maneira de passar o tempo. Por meio do projeto Economia Solidária, ela começou bordando panos de prato, toalhas e uniformes, mas rapidamente se envolveu no mundo da costura criativa. Márcia se apaixonou pela confecção de bonecas de pano e feltro e recentemente também iniciou um curso de artesanato específico de decorações de Natal.

Para além da jornada nas feiras em Belo Horizonte e Contagem, Márcia também trabalha com encomendas feitas pelas suas redes sociais. Quando os pedidos são muitos, ela geralmente se perde em agulhas, linhas e costuras até altas horas da noite, tentando dar conta do volume de encomendas. 

Produtos artesanais feitos e vendidos por Márcia. Foto autoral.

Além da filha, Márcia divide a casa com uma diversidade de animaizinhos: ela tem um cachorro, uma calopsita e um peixinho que tornam seus dias mais alegres. Apaixonada por plantas, ela cuida das suas com carinho diariamente, além de se distrair com as tarefas de casa. Muito caseira, Márcia geralmente só sai para participar das feiras. É nos seus produtos tão lindamente trabalhados e com tanto amor produzidos, que ela percebeu um dom para criar que preenche seus dias e traz felicidade.

O conto das duas Sandras

Como duas estudantes de jornalismo da FAFICH e frequentadoras assíduas do Restaurante Setorial I, nossas idas até a Praça de Serviços são limitadas. Mas foi de uma necessidade de resolver pendências no banco que nos deparamos com a efervescente Feira Preta da UFMG. Durante aquela semana de novembro, foi possível conhecer e exaltar a cultura negra por meio de produtos ofertados por dezenas de pequenos empreendedores na Praça de Serviços. Foi entre as mesas e barraquinhas de comida, artesanato, roupas, bijuterias e mais uma infinidade de objetos maravilhosos, que conhecemos duas mulheres que além de compartilhar o nome, também partilham histórias poderosas de empoderamento feminino.

Aos 44 anos, Sandra Ferreira da Silva não apenas domina a arte do artesanato, mas também incorpora uma missão de empoderamento da mulher preta através da elegância de suas bolsas artesanais e sandálias. Seu pai era artesão de bolsas e apesar de sempre gostar do acessório, ela só entrou na jornada de artesã há cinco anos. 

As feirantes Sandra e sua amiga Rosemary, juntamente com seus produtos. Foto autoral. 

Sua presença na UFMG, embora gratificante, também é marcada por desafios. A distância da sua casa em relação à universidade (Sandra mora no bairro Estoril, Buritis) é um impedimento para que venha com frequência, e se não fosse pelo vistoriamento dos produtos realizados pelas guardas da UFMG durante à noite, ela não conseguiria participar da Feira Preta em novembro. Ela também destaca a diminuição considerável do movimento das feiras, relatando que após a pandemia tudo ficou mais difícil. 

Sapatos e bolsas vendidas por Sandra em seu estande. Foto autoral. 

Durante nossa conversa, Sandra também nos apresentou à sua amiga Rosemary, que como ela busca empoderar mulheres pretas por meio dos produtos que oferece. Seu estande, bem perto do de Sandra, exibe camisas femininas que destacam a beleza e a força da mulher preta em estampas lindíssimas. “Meu trabalho são essas blusas”, diz Rose. “Eu trabalho mais o empoderamento da mulher negra. Então eu divulgo muito a questão das blusas, de dar um empoderamento na questão visual, e falo muito da questão racial, que eu trabalho com a oficina Raça e Gênero,” explica Rose.

Camisetas vendidas por Rose com estampas sobre empoderamento da mulher negra. Foto autoral. 

A amizade de Sandra e Rose se fundamenta na compreensão mútua dos desafios enfrentados na sociedade. Elas estão sempre ajudando uma a outra nas feiras em uma parceria que vai para além dos produtos ofertados. Sandra ainda destaca que a divulgação da Feira Preta por parte da universidade é essencial para o fortalecimento e permanência do movimento preto e artesão.

 Ambas, Sandra e Rose, mulheres determinadas, não apenas criam belas peças, mas também contribuem para a construção de uma narrativa visual e cultural que celebra a elegância e a força da mulher preta. Suas criações não são apenas acessórios, são declarações de identidade e poder.

Sandra Helena de Souza (70), cria bastidorixás e iogues negras, peças artesanais que transcendem a mera estética e incorporam a riqueza da cultura negra. Sua jornada na arte começou há mais de cinquenta anos e continua com sua loja online, a “Tandicoisa”, onde a originalidade e a representatividade negra se destacam. “Até onde a gente pesquisou, ninguém fazia iogue negra. E os bastidores […] com esse tipo de trabalho, os nossos são os primeiros,” compartilha Sandra, revelando a inovação intrínseca às suas criações.

Sandra e seus produtos que expressam o empoderamento e espiritualidade de pessoas negras. Foto autoral. 

A loja nasceu da necessidade de reinventar a trajetória da filha desempregada e ganhou vida com o propósito de oferecer uma perspectiva única de representação. Sandra explica: “[…] elas (as duas filhas) não viam representatividade do negro nos iogues. Então ela teve essa ideia de fazer as iogues negras”. 

Contudo, a jornada online enfrentou desafios, conforme Sandra compartilha: “[…] a gente foi muito bem aceito, nós chegamos até a mandar peças ‘pra’ fora do país… Foi muito legal. Mas aí ‘né’, graças a Deus, ela (a filha) empregou novamente […] e a gente esfriou um pouco na loja (online).” A artesã, agora, busca revitalizar o empreendimento, aprendendo a gerenciar por conta própria.

Iogues negras e bastidorixás vendidas por Sandra. Foto autoral. 

Sandra estabeleceu sua presença na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde seus bastidorixás e iogues negras encontram um espaço acolhedor. Sobre o movimento na UFMG, ela destaca a aceitação calorosa: “Aqui na UFMG é a segunda vez que eu venho. Eu estou satisfeita, é muito legal, é um espaço muito bom, uma aceitação legal dos produtos.” A falta de divulgação, no entanto, persiste como um desafio: “Aqui falta um pouco de conhecimento ‘né’, nem todo mundo conhece o meu produto, não generalizando, lógico, mas tem muitas pessoas ainda que não têm conhecimento do que é.”

Sandra, além de artesã, é uma voluntária ativa em dois projetos sociais, o Girassol e o Projeto Bola da Vez, ambos em Betim. No projeto Girassol, voltado para pessoas idosas, ela não apenas ensina artesanato, mas também se envolve em atividades como coral e hidroginástica. Dentro do Projeto Bola da Vez, Sandra contribui de maneira diversa, ensinando desde costura e customização até reformas de roupas. Essa diversidade reflete não apenas sua habilidade artística, mas também sua disposição para compartilhar conhecimento em várias disciplinas. Além disso, ela também se envolve na confeitaria e na produção de alimentos. Em algumas feiras, ela não apenas expõe suas criações artesanais, mas também oferece produtos alimentícios.

Sandra e seus bastidorixás. Foto autoral. 

O futuro de Sandra é impulsionado por aspirações de expansão e reconhecimento. “Quero sim estar expandindo na questão da produção, quero estar produzindo outras coisas, fazer outros tipos de peças, mas sempre dentro dessa temática,” diz ela. Sandra almeja um espaço físico que não apenas sirva como local de venda, mas como um centro cultural que celebre a beleza e a diversidade da cultura negra.

Sandra Helena de Souza, com sua originalidade, resistência e dedicação à cultura negra, emerge como uma guardiã da tradição artesanal. Suas criações não são apenas peças únicas, mas testemunhos vivos de uma narrativa rica e diversificada que ecoa através de suas mãos habilidosas.

MULHERES QUE INSPIRAM

As conversas com as feirantes da UFMG nos apresentaram um universo rico de histórias e experiências. Através de produtos diversos, é possível conhecer não só talentos e dons de mulheres habilidosas, mas vivências marcadas pela perda, pelo amor, pela representatividade e empoderamento. 

É imprescindível que feiras, como as que acontecem na Praça de Serviços e na FACE, sejam mais divulgadas tanto para a comunidade acadêmica quanto para a comunidade externa. Essas pessoas não apenas trazem vida e cor para as feiras da UFMG, mas também contribuem para a construção de uma identidade cultural única, onde a representatividade negra, o empoderamento feminino e a preservação da tradição artesanal se entrelaçam harmoniosamente.

As feiras, como espaços de encontro, não só oferecem uma vitrine para os produtos dessas feirantes, mas também proporcionam um palco para histórias individuais que merecem ser conhecidas e apreciadas. A falta de divulgação, apontada por algumas feirantes, destaca a necessidade de reconhecimento e apoio institucional para fortalecer e expandir esse movimento tão valioso.

Você se interessou por alguma(s) da(s) história(s) e produtos mencionados? Abaixo estão os links das redes sociais de cada uma das feirantes com as quais conversamos:

https://instagram.com/alemda_arte?igshid=OGQ5ZDc2ODk2ZA==

https://instagram.com/marciabordados1000?igshid=OGQ5ZDc2ODk2ZA==

https://instagram.com/sandra_ferreira_bolsas?igshid=OGQ5ZDc2ODk2ZA==

https://instagram.com/baeta_rose?igshid=OGQ5ZDc2ODk2ZA==

https://instagram.com/tandicoisa?igshid=OGQ5ZDc2ODk2ZA==