O fechamento do Milharal da Faculdade de Letras da UFMG estimula debates no campus. Ouvimos opiniões e tentamos desvendar a origem do apelido do lugar.

 

No final do recesso escolar de julho de 2015 na UFMG, prolongado até os últimos dias de agosto devido à greve dos funcionários técnico-administrativos da Universidade, os alunos encontraram uma surpresa. Tijolo por tijolo, construiu-se uma caixa oca de concreto no prédio da Faculdade de Letras, a Fale, onde antes se abria à comunidade – acadêmica ou não – um dos ambientes informais de convivência mais comentados do campus: o Milharal.

Para falar sobre este espaço de convivência, passamos por outros pontos de socialização da UFMG. A despeito dos muros que o cercam, descobrimos, o espaço de poucos metros quadrados na Fale estende seu perímetro ao imaginário de pessoas de todos os cantos da Universidade.

 

Milharal-da-Fale-UFMG-murado

 

Após o fechamento, está aberto o debate

 

Em um anexo do Diretório Acadêmico da Face – uma sala em que papel crepom vermelho embrulha as lâmpadas e garrafas de cerveja servem como vasos de flores – um grupo de estudantes da faculdade acompanhava na internet a votação do STF sobre a descriminalização da maconha e outras drogas como quem acompanhasse uma partida de futebol. Quando o ministro Gilmar Mendes deu um voto favorável à descriminalização, o grupo vibrou. “3×0!”, anunciou animado um dos estudantes.

O ânimo de todos diminuiu quando falamos sobre o fechamento do Milharal. Entre lembranças de festas e a hipótese de que o apelido surgiu de um antigo desenho de milho no chão do lugar, emergiu uma teoria perturbadora. Um dos estudantes contou ter visto um gato entrando no primeiro andar do Milharal por uma pequena fresta e se perguntou seriamente se, quando abrirem a construção, encontrarão um inferno felino de excrementos lá dentro.

 

Gatos-no-Milharal-da-Fale-UFMG

 

Já no Centro Acadêmico de Psicologia, o Capsi, na Fafich, o lamento pelo fechamento do Milharal foi ainda mais contundente. Foi lá que o grupo com quem conversamos viveu sua recepção de calouros e onde pretendia ver as futuras turmas de Psicologia serem recepcionadas também.

O Centro Acadêmico de Filosofia, o Cafca, levou a história do fechamento do Milharal mais a sério e em outubro enviou um ofício à diretoria da Fale. No texto, acusou a diretoria da faculdade de fechar o espaço sem antes realizar uma consulta pública entre a comunidade do campus e pediu esclarecimentos sobre os motivos que levaram ao erguimento do muro. Além do email para a Fale, o centro acadêmico ainda promoveu uma festa e um sarau para divulgar sua posição contrária ao fechamento do Milharal. Até a finalização desta matéria, a diretoria da Fale não havia entrado em contato com a gestão do Cafca.

Afastando-nos mais do Milharal, encontramos uma roda de baralho acontecendo bem próxima a uma placa no pátio do ICEx, que avisava: “Nesta área não são permitidos jogos de baralho”. Atividades “ruidosas” também são proibidas no perímetro, mas ainda assim fomos assombrados por um grito quando abordamos os amigos. “QUÊ? O MILHARAL FECHOU?”. Nos sentamos ao lado da estudante de Engenharia Civil que gritara e falamos sobre o novo muro que cobre o Milharal. Integrante do que chama de “galera Fafich da Engenharia”, ela lamentou ter se afastado tanto do prédio da Fale no último semestre, pois não pôde se despedir adequadamente do seu segundo lugar favorito da UFMG. O primeiro é o DA do ICEx, outro espaço recentemente fechado para reformas.

 

Fechamento-do-Milharal-da-Fale-UFMG-colagem

 

Também no ICEx, um estudante de Física pausou o relógio que cronometrava a partida de xadrez disputada com um estudante de Engenharia Civil embalada por heavy metal. Ambos lastimaram o fechamento do Milharal, mas acreditam que, se ele foi necessário para ampliação das instalações acadêmicas da Fale, é totalmente válido.

À beira do próprio Milharal, três funcionárias técnico-administrativas que lanchavam próximas ao muro concordaram com essa perspectiva. “O problema da Universidade é o espaço”, sentenciou uma delas. Um espaço que falta, acreditam. Outra, a mais velha, assentiu, mas deixou escapar que a construção do CAD 2, anexo com salas de aulas para Ciências Humanas, destruiu uma de suas paisagens favoritas no campus, pois substituiu uma farta vegetação.

Há menos de dois metros dali, em uma das quatro salas defronte ao Milharal, encontramos uma jovem professora de idiomas do Cenex, que tem dado aulas mais aliviada desde que o muro foi erguido. Segundo ela, as salas naquele ponto da Fale sofrem duplamente com o eco, tanto do som que vem do pátio da faculdade, próximo à cantina, no primeiro andar, quanto do que vinha das conversas no Milharal. Ela não condena qualquer espaço de convivência do campus, mas acha que neles às vezes reina a falta de consciência e de limite dos frequentadores, que se esquecem de que há aulas ocorrendo na universidade o dia inteiro.

 

Salas-de-aula-em-frente-ao-Milharal-da-Fale-UFMG

 

Hoje, pequenos grupos continuam a se reunir nas proximidades do segundo andar do Milharal, espalhando-se pelo jardim perto do muro nas primeiras horas da noite. Estão sob a vista de três câmeras no corredor que leva a esse espaço, uma delas instalada bem em frente ao jardim.

O problema é justamente a articulação deficiente entre academia e socialização, apontaram muitas das pessoas com quem conversamos. Ouvimos que o ímpeto da Universidade em obter os maiores resultados formais e oferecer o melhor ensino possível dentro dos parâmetros acadêmicos sufoca a dimensão de socialização que tem o campus. Quem lamenta o fechamento do Milharal defende esse espaço como um lugar onde acontecia um aprendizado diferente, mas tão válido quanto aquele que se dá dentro de sala de aula. Já quem comemora os novos tijolos que cercam esse pedaço da Fale enxergam a Universidade como um lugar onde o estudo deve ser privilegiado acima de qualquer aspecto. São duas concepções sobre quais são, afinal, os papéis de uma universidade pública. Se a geração de debate é um desses papéis, o fechamento do Milharal não poderia ser melhor estímulo para que a discussão aconteça.

 

Com a palavra, quem ergueu o muro

 

A diretoria da Faculdade de Letras aponta que já intencionava fechar o Milharal há pelo menos cinco anos. Atualmente, a gestão batalha para consolidar a habilitação de Edição no curso, portanto considera essencial ampliar o Laboratório de Edição, que será realocado para o segundo piso do Milharal, onde também serão construídas outras três salas. O primeiro andar do espaço será um depósito para os arquivos da Fale.

Janelas Milharal

A verba para essas obras já está disponível, porém a compra de material – 11 janelas, por exemplo – está emperrada pela burocracia e pela greve dos funcionários técnico-administrativos, que durou até meados de outubro.

Apesar das reclamações sobre a intensidade do barulho de conversas e uso de drogas no Milharal que a diretoria da Fale afirma já ter recebido ao longo do tempo, não foram estas as principais motivações para o fechamento do lugar, segundo a gestão. Foi principalmente a necessidade de ampliar as dependências acadêmicas que levou ao erguimento dos muros. Sobre as obras terem sido feitas durante as férias, na ausência da maioria dos estudantes, a diretoria afirma que escolheu esse período para evitar transtornos provocados por ruídos e sujeira no decorrer das aulas.

 

 

O nome do Milho

 

Não há qualquer sinal de milho ao redor do Milharal, mas até a diretora da Fale se refere ao lugar por esse apelido. Investigamos as origens do nome, mas só encontramos camadas de boatos. À polêmica em torno do fechamento do espaço, somam-se lendas.

Alguns apontam o lugar como uma reminiscência de um ponto apelidado de Murinho no antigo prédio da Fafich, na rua Carangola, bairro Santo Antônio. Lá também sempre costumava haver amigos conversando, entre um cigarro e outro (ou sem cigarro algum), sobre temas desde o cardápio do bandejão ao conceito de pós-modernidade.

Muita gente defende que a área entre a Fale e o CAD 2 já foi tomada por uma plantação de milho. A história mais antiga que ouvimos sobre o assunto foi contada por Darcy Valério de Souza, um servidor público aposentado que hoje lava carros no estacionamento da Faculdade de Letras.

Ele trabalha na Fale desde que a faculdade começou a funcionar no campus Pampulha, e assegura que o nome Milharal é uma lembrança da década de 1980, quando uma faxineira do prédio levou para lá um hábito que tinha em casa, em Montes Claros. Plantou cerca de 50 pés de milho na área onde hoje está o Milharal. Foi uma única safra, mas, estranhamente, o apelido pegou, segundo Darcy.

Não temos certeza de que essa é a versão definitiva da história. Por via das dúvidas e pelo bem da preservação do mito, confira outros boatos curiosos que colhemos:

Gabriel Rodrigues

Aproveitei um pouco a sombra do milho enquanto havia tempo.

Júlia Valadares

Prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre o fechamento do Milharal e o porquê do seu nome.

Sylvia Mendonça

O Milharal fechou e mesmo assim não consegui deixar de ser pamonha.