De um lado, Cida Moura responde pela Ouvidoria Geral da UFMG, do outro lado, Loki, “o estagiário”, fala pelo Spotted VSF do Facebook

Patrick é aluno do curso de Reclamações Socias da UFMG. Calouro, anda em grupos titubeando entre a certeza e a incerteza de onde fica a sala 3100, do preço do pão de queijo, do nome do coordenador de seu colegiado e de onde está o banheiro mais próximo, de preferência com papel higiênico. Mas, meticuloso e exigente como é, já tem lá suas queixas em relação à Universidade e procurou nossa equipe para descobrir: quem poderá amparar suas reclamações?

Desconfiada  de que muitos são os Patricks que habitam a UFMG, a Transite investigou o bê-a-bá de dois espaços muito procurados quando o assunto é reclamação: a Ouvidoria Geral da UFMG, que responde institucionalmente pela Universidade, e o famoso Spotted UFMG – VSF, uma página no Facebook que, sem se vincular à Universidade formalmente, responde pelo o que seu administrador secreto provavelmente chamaria de “caos”.

Em ambos os espaços, são os alunos os mais ativos. Como mostram dados do relatório gerado pela Ouvidoria da UFMG referente às suas atividades de 2016, a maioria das pessoas que recorreram ao órgão se identificou como aluno:

 

Alunos, professores, servidores… Quem reclama mais na Ouvidoria da UFMG?

 

Patrick não está mesmo sozinho nessa. Aos que, como ele, também reclamam, apresentamos, a seguir, os diferentes procedimentos e fins dados às manifestações na Ouvidoria da UFMG e no Spotted UFMG- VSF.

 

Ouvir, tratar, encaminhar e cobrar X Ouvir, acolher e causar

 

Lá está ela: bem no terceiro andar do prédio da Biblioteca Central, na sala 302. A Ouvidoria está inserida fisicamente na Diretoria de Governança Informacional da UFMG (DGI), junto ao Serviço de informação ao Cidadão (SIC – UFMG). Criada em 2009 por Maria Luiza Faria de Moraes Gonçalves (professora aposentada de Engenharia Química), a Ouvidoria define a si mesma como “um órgão mediador com o papel institucional de zelar pelo direito à manifestação e à informação do cidadão”. Em sua equipe, estão a ouvidora e também professora Maria Aparecida Moura, mais conhecida como Cida, e a secretária Gleice Carvalho.

Sua função é receber manifestações da comunidade interna e externa relativas à Universidade, encaminhá-las aos setores competentes para responder a essas demandas e enviá-las aos manifestantes. Nesse processo, a Ouvidoria estabelece prazos para que esses setores se posicionem e avalia suas respostas. Em alguns casos, também atua mediando a realização de encontros presenciais entre o manifestante e o responsável pelo setor envolvido.  

Para enviar manifestações a Ouvidoria não é preciso se identificar e é possível recorrer ao Sistema Eletrônico de Ouvidoria da UFMG, enviar e-mail, fazer telefonema ou realizar tudo presencialmente. E ninguém melhor que Cida para apresentar mais detalhes:

 

 

Já quando se trata do Spotted UFMG – VSF, a solução de problemas não é a intenção  embora possa acabar acontecendo. A página é dedicada a receber e postar desabafos que são publicados no anonimato. Desde sua fundação, em 2013, até o final de 2017, acumulou mais de 18.000 curtidas e posts muitas vezes polêmicos, outras vezes irônicos, bem humorados ou alvos de calorosos debates online.

Por trás de sua criação estava o objetivo de contrastar-se ao tradicional “Spotted” voltado às declarações amorosas e criar o “spotted da discórdia”, como consta em sua descrição. Assim, o espaço é voltado a publicações que são marcadas pela frase “quero mandar um VSF (vai se fuder) para…”. Essas manifestações são enviadas por alunos da UFMG e passam pelo crivo de um administrador secreto para serem postadas no anonimato.

Atualmente, quem está à frente da página é #LokiOEstagiário. “Sou ácido, gentil e não devo nada à ninguém”, diz ele, descrevendo o personagem que incorporou para cuidar da página. Além do personagem da Marvel e da expressão dos anos 70 para “louco”,  Loki é um deus da mitologia nórdica associado à maldade, à trapaça, à intriga, à magia e a certo caos tido como necessário. A seguir, apresentamos o misterioso dito cujo, que nos concedeu entrevista exclusiva, com a condição de preservar seu anonimato.

De que se reclama

 

Reclamações, críticas, sugestões, consultas e elogios estão na lista das demandas recebidas pela Ouvidoria. E, como é de se esperar, as primeiras são as mais recorrentes. Como mostra o gráfico abaixo, a Ouvidoria tende a ser mais acionada para atender a demandas de gente que, como Patrick, quer fazer alguma reclamação.

 

A Ouvidoria recebe mais reclamações do que elogios.

 

“Água do laguinho da biblioteca”, “conflito entre professores”, “denúncias sobre discriminação”, “falta de papel higiênico”, “questão com vizinhos de prédios da Universidade”, “questão de assaltos”, “questão do CEU”, “processo seletivo de concurso”, “atendimento no hospital veterinário”, “atendimento na faculdade de odontologia”, todos esses assuntos já constaram em manifestações recebidas pela Ouvidoria, segundo a secretária Gleice Carvalho. Ela também explica que o conteúdo varia muito conforme as “épocas”. “Época de matrícula”, “época de trote”, “época de chuvas” geram certos tipos de manifestações mais recorrentes, por exemplo.    

Da mesma forma, o Spotted UFMG – VSF é palco das mais variadas reclamações: da pena encontrada no frango servido no Bandejão ao “funcionário do ‘bandeco’” que atrapalha “o feng-shui do prato” ao servir o almoço. Muitas vezes, vale até o truque de reclamar de si mesmo para tentar resgatar um objeto perdido ou conseguir uma carona   o que Loki não anda aceitando muito bem. Lá, nem mesmo os relacionamentos (des)amorosos alheios passam em vão. “Existem muitas reclamações de professores, de ‘bandeco’, de alunos barulhentos, etc, mas não acho que nenhum desses temas se destaca muito. Eu chutaria como mais frequentes as reclamações de matrícula e de administração da UFMG”, arrisca Loki.

 

O que se pode esperar

 

Da Ouvidoria, Patrick pode esperar “encaminhamento agilizado, desburocratizado e não rotineiro às demandas”, já que são essas as funções atribuídas à ouvidora pelo órgão. Ela também deve ter disponibilidade para contato e para ouvir os manifestantes. Mas Cida Moura lembra: “Cada pessoa que vem é uma pessoa, é uma situação, é uma versão que precisa ser checada, tratada e resolvida. Às vezes, na direção daquilo que ela imaginava que era o mais correto, às vezes, contrário àquilo, porque ela mostrou que tem problemas na versão que ela traz”.

Cida considera que, em geral, o que a Ouvidoria não consegue resolver, é porque teve algum contraditório”. A ouvidora também acredita que as atividades desenvolvidas pelo órgão têm gerado resultados bastante positivos. O que os dados mostram é que o número de manifestações recebidas, de 2015 para 2016, cresceu em quase 15%. E a média mensal de demandas passou de 57,58 para 66,08.

Apesar de destacar os resultados positivos, Cida aponta que existem desafios. Ela comenta que é comum as pessoas terem dificuldade de admitir que foram “ultrajadas por alguém”. Como mulher negra, conta que já viveu situações “em que a pessoa teve dificuldade de conversar exatamente porque estava diante de alguém que ela acha que seria mais frágil”. Além disso, observa que o trabalho em uma instância de intermediação pública pode ser desafiador diante do cenário atual de descrença. “Tem sido uma conquista diária e paulatina; as pessoas passam a acreditar na medida do sucesso de alguma ação que eu tenha feito”.

Quanto ao Spotted UFMG-VSF, Cida e Loki evidenciam dois lados diferentes da página. Apesar de considerar que a visibilidade gerada pelos posts possa ser positiva, Cida chama a atenção para o risco de esvaziamento do sentido da indignação que se corre quando a “militância do click” não se transforma em uma “ação direta e efetiva”.

Loki, por sua vez, defende a página como um lugar de acolhimento e pertencimento à Universidade, já que, ali, as pessoas se identificam, trocam experiências, conselhos, apoio, ou apenas desabafos:

Suspeito para falar, Loki, que foi um desses usuários ativos na página antes de assumir a administração, assume: “para mim, é quase como uma meditação, e também um meio de interagir com pessoas que eu nunca conheceria, mas que vivem no mesmo ambiente que eu”.

Além disso, ele vê, na página, uma forma de se surpreender com “aquilo que a comunidade dá valor”, já que o engajamento que algumas postagens alcançam, muitas vezes, quebra suas expectativas. A depender do caso, Loki tem o costume de sugerir que as pessoas que se manifestam no Spotted procurem a Ouvidoria ou outras instâncias da Universidade. Mas não deixa de lembrar: “a função principal da página é disseminar a discórdia e o caos! Muahaha!”.

 

Alice Machado

Mais um Patrick da vida.

João Paulo Alves

Queria mandar um VSF bem grande pra você que leu e não compartilhou a matéria com xs migxs.