Visitamos o “beckstage” da Marcha deste ano para acompanhar os preparativos de quem luta pela descriminalização da Cannabis sativa.
14 metros de comprimento, 4,5m de altura, bambus, cola e muitos jornais. O que poderia formar um carro alegórico em um desfile de Carnaval, nas mãos da “comissão de arte” da Marcha da Maconha de Belo Horizonte, transforma-se em um grande baseado abre-alas da manifestação, que acontece neste sábado, dia 28 de maio de 2016 (baseado, para quem está de fora da brisa, é o mesmo que um cigarro de maconha, também conhecido como beck).
Este ano, o beck foi montado na Faculdade de Letras da UFMG no dia anterior à Marcha. O resquício do feriado de Corpus Christi esvaziou a faculdade na sexta-feira, e, às 15h30, quando cheguei, o grupo era praticamente o único a trabalhar ativamente nas redondezas.
É tradicional: desde 2012 um baseado simbólico gigante acompanha a Marcha. Quem teve a ideia foram dois amigos que até hoje são os principais responsáveis por darem vida aos “carros alegóricos” do evento. Não é tarefa obrigatória, já que a organização da Marcha funciona de maneira horizontal, cada um faz o que se dispõe a fazer. Mas, a julgar pelo empenho que os dois colocavam na construção da estrutura, o entusiasmo pelo trabalho não diminuiu ao longo dos anos.
A Marcha da Maconha é mais que um desfile de um beck gigante pelo Centro da cidade. Ao contrário, a pauta é séria: junto à proposta de descriminalização da maconha, os manifestantes questionam a violência da repressão ao uso da droga, que leva milhares de jovens à prisão por portes insignificantes de maconha (segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz, mais de 67,7% dos encarcerados por tráfico de maconha nas prisões do País foram flagrados com posse de menos de 100 gramas da droga). Além disso, os manifestantes questionam que os jovens pobres e negros são os mais afetados pela criminalização da maconha (segundo o Sou da Paz, 75% dos presos por microporte de drogas são jovens de 18 a 29 anos e 59% são negros e pardos).
A seriedade da pauta, entretanto, não impede que os manifestantes encontrem espaço para protestos bem-humorados. É o caso do “heliconha”, helicóptero de bambu e jornais que foi produzido em 2014 para ironizar o escândalo da apreensão do helicóptero de empresa do senador Gustavo Perrella (PDT-MG), com 450 kg de cocaína (relembre o caso aqui). Afinal, como diz um dos jovens que fabricavam o baseado alegórico, “Se você fumar um baseado e não rir das coisas, tem alguma coisa errada com você”.
O clima descontraído na Faculdade de Letras durante a confecção do baseado ecoava o propósito de fazê-lo: provocar o riso. Meia dúzia de rapazes se espalhavam pela área. Enquanto eu fotograva o processo, tocava Mente do Vilão, dos Racionais MCs, e a turma colava jornais na seda estendida no chão e amarrava bambus para fortificar a base estrutural do grande beck.
O dinheiro para levantar tudo isso vem da venda de camisas da Marcha e eventuais acréscimos do bolso das próprias pessoas que constroem as estruturas. O valor preciso que gastaram este ano eles não souberam dizer, mas um dos organizadores chuta que já tenham sido R$ 350.
Nenhum deles se diz propriamente artista. Engenheiro também não, já que as estruturas são criadas a partir da experiência: o que não caiu em anos anteriores é repetido. A estrutura, digna de ano olímpico, equilibra-se em um carrinho feito por eles mesmos, que suporta o beck e o eleva aos seus 4,5m de altura – este é o maior já construído para a Marcha na cidade. Perguntei como eles têm certeza de que ele vai ficar de pé antes de levarem para a rua. “Vai dar”, um deles respondeu.
Quando tudo dá certo, o trabalho vira fumaça na Praça da Liberdade. O barato é justamente derrubar tudo para começar de novo. Como bom mineiro, um dos organizadores explica: “O trem foi feito pra pegar fogo”.
Colaboraram Bruno Fonseca e Vitor Maia.