Apesar da crescente diminuição na compra de impressos, os estabelecimentos resistem e se reinventam

Por Bárbara Sobreira e Maria Eduarda Abreu

Quem chega pela portaria na Avenida Antônio Carlos, já logo vê um estabelecimento luminoso, com estandes de jornais e revistas espalhados pela calçada, logo antes da Escola de Belas Artes. Muitos não sabem que lá, na Banca Nona Arte, trabalha, há pelo menos 30 anos, o Creoci.  “Moro do outro lado da rua e sou nascido e criado aqui dentro do campus, desde menino. Comecei a trabalhar, como menor aprendiz, na FAFICH. Trabalhei lá por 3 anos e era cliente daqui. Assim que eu saí da FAFICH, a pessoa da banca precisou de alguém aqui e aí eu vim e fiquei, até hoje.”

  A Banca Nona Arte, próxima à Escola de Belas Artes, contém estandes com as mais diversas revistas.

Na UFMG, misturando-se à paisagem universitária, ao burburinho das conversas e ao caminhar apressado dos estudantes, as bancas de jornal também são tão parte da vida cotidiana do campus quanto seus prédios singulares.  Por muito tempo parte do cenário urbano e da história cultural, as bancas de jornal eram a parada matinal do cidadão em busca do jornal do dia ou da revista semanal que acompanhava. Entretanto, as bancas vão, cada vez mais, se perdendo entre o fluxo movimentado das cidades, impulsionado pela agilidade das redes e das trocas  comunicacionais. Seu principal suporte, o jornal impresso, tem produção decaída em uma linha contínua. Dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), em um levantamento organizado pelo site Poder360, apontam uma queda média de 16,1% na circulação da versão impressa de 15 dos principais jornais do Brasil em 2022.

E no campus universitário?

Com a necessidade de se reinventar muitas bancas  se tornaram verdadeiros armarinhos, vendendo produtos dos mais variados tipos para os transeuntes das cidades brasileiras. Creoci  da banca Nona Arte conta que, no passado, revistas e posters de banda faziam sucesso, hoje não mais. Assim como esses, as revistas voltadas ao público feminino chegavam e saíam em grande quantidade. A oferta desses impressos hoje é cada vez menor.

Com um característico boné com a aba virada para trás, o homem conta ter começado a trabalhar no espaço quando a rua principal da universidade tinha uma configuração completamente diferente da atual. O ponto final do ônibus circular 05 ficava bem em frente a sua banca e criava, ao longo do dia, uma pequena multidão, que passava, muitas vezes, de passantes a clientela. 

Em meio aos mais diversos produtos, os gibis marcam presença e representam a tradição da banca

O nome ‘Nona Arte’ vem de sua relação com os quadrinhos, que são um dos produtos mais numerosos expostos em prateleiras, muito procurados por estudantes e dispostos em uma espécie de “bagunça organizada” natural desses estabelecimentos. 

“As revistas semanais, têm algumas pessoas que gostam de acompanhar ainda… Um ou dois clientes que toda semana pegam! A maioria são esses clientes específicos mesmo. Agora, aquele cliente de rua, que passa e vê uma revista, acha interessante e compra… isso diminuiu bastante…”

Ele também vende alguns produtos “agregados” como fones de ouvido e carregadores que, junto às balas e aos doces, são um dos preferidos dos estudantes. Apesar disso, prefere manter a essência do lugar como uma tradicional banca de jornal, como um compromisso com a comunidade acadêmica e com seus próprios gostos pessoais.

Creoci cresceu junto ao campus da UFMG e hoje é proprietário da banca Nona Arte 

Já a Banca Pitangas, em frente ao prédio da Engenharia e o ICEX (Instituto de Ciências Exatas), oferece uma ampla rede desse tipo de produtos “agregados”, como chama Creoci. De refrigerantes, sucos e sacolés à cordões para crachá, todo tipo de materiais escolares, o tradicional pão da alegria, além dos serviços de consumo diário, esquenta de marmitas e recarga de celulares. Os impressos, por lá, são uma parte pequena diante da infinidade de outros objetos.

O senhor Pedro é quem toma conta do espaço, há cerca de 10 anos. Mas sua história na UFMG também é mais longa. Por muito tempo, trabalhou em uma firma de xérox que fazia apostilas para a universidade, que mudou-se para o campus Pampulha com a passagem da Escola de Engenharia para o novo espaço, transferida da Rua Espírito Santo, no centro de BH. Poré, com a concorrência das demais empresas da área, a equipe deixou de trabalhar para a UFMG.

A banca Pitangas já era de um conhecido do senhor Pedro, que passou a vender suas apostilas no estabelecimento, com as comissões divididas. Dois anos depois, com a mudança de cidade do parceiro, ele alugou o espaço que, posteriormente, passou a ser seu de maneira definitiva. 

Pedro dos Santos é proprietário da banca Pitangas há cerca de 10 anos

Sobre os laços com a reitoria da universidade, Pedro diz:

“Antes, a gente não tinha nenhum contrato com a universidade. Depois de alguns anos, quando entrou a reitora de agora, a Sandra, eu conversei com os pró-reitores junto aos outros 2 proprietários de banca. Conseguimos que a universidade fizesse um contrato de uso do espaço. Então, estamos hoje legalizados e trabalhando junto à UFMG!”

O movimento da Pitangas é alto e diverso. Quem compra por lá, segundo o proprietário, tem todas as idades e se dividem entre alunos, professores e pessoas de fora da universidade. Os produtos preferidos são os eletrônicos, como fones e carregadores, além dos cordões para as carteirinhas de identificação, usada na entrada dos prédios. 

Senhor Pedro diz ter se acostumado muito bem ao ambiente da UFMG, com as companhias, conversas e o movimento que preenchem seus dias de trabalho.

“A universidade é a minha segunda casa. Tenho um relacionamento muito bom com os alunos! Também conheço dezenas de professores com quem trabalhei desde a época da Escola de Engenharia no Centro e me dou muito bem com o pessoal do ICEX. Me sinto muito em casa e adoro trabalhar na universidade”

Hoje, em meio a era digital, as bancas do campus Pampulha seguem uma rotina por vezes calma, por vezes agitada, acompanhando as movimentações e realidades ano após ano, seja como ponto de nostalgia e história, como a Nona Arte, ou como ponto de passagem diária, de conversa e do “socorro” na falta de algum material ou produto, como a Pitangas. Ainda conhecidas como bancas de jornal, mas cada vez mais diversas, os estabelecimentos presenciam de perto as inovações e usam da criatividade para permanecerem na vida cotidiana.

“A compra de revistas e jornais, realmente a internet hoje tirou isso do mercado. Hoje, é comum as pessoas comprarem na minha banca jornais para os pets, para pessoas que residem em apartamentos usarem para os cachorros. Então, o que eu vendo mesmo, é aquilo que os alunos procuram: créditos e carregadores para celulares, fones de ouvidos, outras coisas assim.”

Independente da motivação, a afetividade é a característica mais presente na força da continuidade, seja pelos proprietários ou por aqueles que dividem parte da vida com a Universidade. “Procuro, de todas as maneiras, orientar os alunos, principalmente os mais novos e calouros, com a minha experiência de vida, para sempre andar no caminho do bem. Mostrar que andando no caminho do bem, estudando, para sair da Universidade como profissional capacitado para enfrentar a vida. E eles sempre me ouvem, sempre procuram me ouvir”