Por Nicole Vasques

Morar longe dos pais, crescer, estudar para concluir o curso dos sonhos. Essa é a rotina de uma parcela dos estudantes de graduação que frequentam a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) no campus Pampulha, em Belo Horizonte. Quem não mora perto ou se preocupa com a segurança à noite, no entanto, tem preocupações além dos estudos: como ir e vir da universidade? Com a gasolina a preços exorbitantes e muita gente sem carro próprio na garagem, urge a necessidade de alternativas mais práticas. Os grupos de carona via WhatsApp mostram que é possível.  

Carona é método de deslocamento em ascensão na universidade federal mineira (Foto: Nicole Vasques)

Se você frequenta a melhor universidade federal do Brasil – segundo ranking do Times Higher Education -, com certeza já ouviu falar no “Fernando Caronas” – administrador de vários grupos relativos à UFMG no WhatsApp – e toda a aura de mistério que envolve essa figura. Em alta nas últimas semanas, os grupos de caronas da UFMG dão o que falar por uma discussão polêmica (leia mais aqui) entre duas estudantes, que acabou viralizando na internet. Mas quem faz parte da comunidade universitária sabe que a iniciativa vai muito além de prints vazados no Twitter: é questão de acessibilidade.

Na capital mineira, o transporte público e a gasolina cara representam somente alguns dos obstáculos para quem frequenta a UFMG. Em um movimento alternativo, surgem as caronas: uma chance de conhecer novas pessoas, pagar menos para conseguir estudar presencialmente e, ainda por cima, garantir maior segurança durante o percurso rotineiro. Mauro, Tamires, Maria Antônia e Letícia conversaram com a reportagem sobre os benefícios de aderir ao modelo de transporte.

Uma mão lava a outra

Tamires Balçante, de 21 anos, já fez as vezes de passageira e agora, com um carro para chamar de seu, comanda o volante. A estudante de Matemática tem um histórico antigo com os grupos de WhatsApp desde os primeiros meses como caloura na federal mineira, em 2019. Tudo começou em uma conversa despretensiosa com um colega de curso, momento que a convenceu a deixar os ônibus em segundo plano.

“Eu estava conversando com um amigo e ele falou que ia pegar uma carona. Eu fiquei: ‘uai, como assim? Como é que você sabe, conhece?’ Aí ele me falou que tinha um grupo, que tinha o Fernando das caronas, que ele ia me mandar o contato e falar pro Fernando me adicionar, já que era só por indicação”, narra a belo-horizontina, que foi adicionada ao grupo de seu bairro e pegou gosto pela prática.

Maria Antônia Teodoro, 24, também faz parte do time de quem oferecia e, agora, pega caronas. A mineira estuda Administração na UFMG desde 2018 e, assim que ingressou na universidade, tomou nota da informação disseminada sobre os grupos de caronas no WhatsApp. Para ela, que mora no Barreiro – regional consideravelmente distante da Pampulha -, essa sempre foi a opção mais prática e segura. 

A universitária alega que o deslocamento de sua casa para a Pampulha causa vários transtornos a sua rotina, já que ela sai do trabalho para estudar no horário de pico. Por volta das 22h30, quando deixa a universidade, os ônibus já circulam com frota reduzida e ela se sente muito exposta a perigos que poderiam ser evitados, principalmente pelo fato de ser mulher.

A “entidade” Fernando Caronas

Assim como a repórter que vos fala, Tamires enviou uma mensagem um tanto quanto “desesperada” ao incólume Fernando Caronas, que administra os grupos do WhatsApp. Durante a semana, ela trabalha como monitora na rede de ensino Coleguium, que conta com unidades espalhadas pela capital. Como está um dia em cada local, decidiu ofertar as caronas de acordo com sua rotina. Hoje em dia, a jovem participa de ao menos 15 grupos.

“Eu mandei um textão explicando que tinha começado a trabalhar no Coleguium e que tinha um em cada unidade, pedindo pra ele me colocar nos grupos. Passou uma semana e eu voltei: ‘pelo amor de Deus, entidade. Me coloca, por favor!’. Aí ele me colocou e eu agradeci a ele com a minha vida. Até cheguei a perguntar quem ele era e o que fazia na UFMG, mas ele me deixou no vácuo e nunca mais respondeu”, recorda, divertindo-se.

Conforme destaca, Tamires vai para a UFMG às 8h30 e retorna para casa somente à noite. Quando a universidade retomou o modelo presencial, ela decidiu ofertar as viagens pelo aplicativo de mensagens. “Como eu já conhecia o grupo e já pegava carona, eu pensei: ‘ah, agora que eu tô indo de carro, eu vou dar carona’. Lembro que quando eu pegava era bem mais confortável e deixava bem mais perto de casa. O transporte público tá extremamente cansativo”, avalia.

Maria Antônia compartilha os sentimentos positivos pelo administrador dos grupos, que preferiu não ceder entrevista. “Eu acho ele incrível, né. Não consigo entender como ele consegue. Porque ele é uma pessoa presente nos grupos, não é só a pessoa que adiciona. Ele está por dentro de todas as discussões que existem no grupo, se tem algum problema ele é o mediador. Então eu fico pensando como ele tem disponibilidade pra conseguir ser essa figura, porque exige um tempo muito grande”, observa.

Mais flexibilidade

Mauro Marques, 22, é outro que prefere o conforto do carro às catracas de ônibus. Ao contrário de muitos, o estudante de Medicina Veterinária nunca participou de um grupo administrado pelo Fernando no WhatsApp. Nem por isso deixa de apostar no modelo de transporte para economizar dinheiro e, mais que isso, adaptar o deslocamento à rotina flexível da graduação. 

Segundo o universitário, o cenário do transporte público em BH vem complicando o deslocamento de estudantes como ele. Já que possui um dia a dia recheado de estágios, palestras, disciplinas optativas e outras atividades, prefere recorrer às caronas para ter mais segurança e agilidade com seus horários. 

O paulista contou mais detalhes sobre essa rotina. Veja abaixo:

E também mais segurança

Mauro vive no bairro Paquetá, relativamente próximo à Escola de Medicina Veterinária e, mesmo assim, prefere as caronas a enfrentar a realidade do transporte público belo-horizontino. E não é só por conta do preço: o estudante narra que a segurança é outro fator, já que ele tem horários um tanto quanto imprevisíveis e, muitas vezes, volta para casa no início da noite.

O mesmo sentimento é compartilhado por Maria Antônia, que deixa a universidade quando o céu já está escuro. Para ela, escolher as caronas significa se preocupar menos com o que poderia acontecer caso voltasse de ônibus. Letícia, por sua vez, avaliou suas “caronas fixas” rigorosamente e só aceitou levar um homem em função do parentesco com outra moça que ela já conduzia. 

Mauro frequenta a Escola de Veterinária desde 2018 (Reprodução/Google Street View)

Apesar dos receios naturais, que impactam algumas estudantes mais ou menos que outras, Maria Antônia revela que nunca teve problemas com a segurança durante suas caronas. Segundo ela, existe uma confiança muito grande na moderação dos grupos de WhatsApp, já que só entra quem tem indicação.

Contra o relógio

A universitária também acredita que as caronas seguem úteis mesmo após a volta às aulas, considerando principalmente o atual cenário do transporte público. Quando ela não consegue se deslocar usando o próprio carro ou pegando carona, utiliza os ônibus como último recurso. Esse é um trajeto que demanda bem mais tempo e, consequentemente, gera impactos consideráveis na rotina dela.

“Tenho costume de pegar ônibus, mas é sempre minha última opção. E, quando preciso, tenho que sair de casa ao menos duas horas mais cedo para chegar na faculdade. Na hora de voltar, chego no mínimo duas horas mais tarde. Isso acaba atrapalhando meus horários no dia seguinte, porque eu vou dormir mais tarde e também tenho que sair mais cedo”, lamenta.

Mesmo com um carro na garagem, Maria prefere as caronas pois, além de estar sujeita ao aumento do combustível, teria que pagar para manter o veículo estacionado durante o estágio.

Benéfico para o planeta

Letícia Finamore, 21, também acredita nas caronas como forma de deslocamento rotineiro. A estudante de Jornalismo conheceu a iniciativa pelos grupos de WhatsApp e, atualmente, oferece viagens à UFMG para pessoas “fixas” em quem já confia devido ao tempo de convivência. Ela costuma cobrar somente R$ 2 por corrida e conta que não tem lucro real em cima da arrecadação. O dinheiro ajuda mesmo a pagar o combustível para ir e vir da universidade com maior segurança.

Letícia Finamore oferece caronas no grupo de WhatsApp Floresta/UFMG (Acervo pessoal)

Para a mineira, o motivador central é reunir mais pessoas em um só carro e, com isso, ajudar o meio ambiente. A reportagem pegou uma carona exclusiva com a Letícia, junto com outras duas universitárias, para realmente “embarcar” nessa proposta. O trajeto até a UFMG, partindo do bairro Santa Efigênia, foi repleto de descobertas e interações quanto à universidade e as dificuldades da mobilidade urbana belo-horizontina. 

Confira um trecho do trajeto que percorremos até a universidade:

Acessibilidade

Dito isso, é possível afirmar que as caronas são acessíveis para todos? Essa é uma das principais questões para Letícia, que decidiu cobrar um valor inferior à média de R$ 5. Já Maria Antônia desembolsa de R$ 5 a R$ 7 por viagem, mas acredita que o custo-benefício sempre vale a pena. 

“Algumas pessoas cobram um pouco mais caro, mas eu não vejo isso como algo negativo. Acho, inclusive, mais justo, porque a gente não pode basear o carro em relação ao ônibus. A gasolina está muito cara, então acredito que as pessoas com disponibilidade para oferecer carona deveriam cobrar o valor do litro da gasolina”, opina a mineira.

Quando Tamires começou a oferecer caronas, por outro lado, ela estipulou o preço base de R$ 4,50. Foi então que observou os demais colegas cobrando R$ 5, atribuiu o aumento à alta dos combustíveis e decidiu aproveitar a deixa para ajustar seu próprio valor. Segundo ela, metade dos passageiros paga via Pix, enquanto o restante prefere o tradicional dinheiro vivo. Esse parece ser um consenso entre os estudantes que conversaram com a reportagem.

Antes da pandemia de Covid-19, Tamires não tinha veículo próprio e precisava encontrar outras maneiras de chegar e ir embora do campus. A descoberta sobre as caronas abriu novos horizontes e conferiu mais tranquilidade à rotina dela.  “Quase todo dia eu voltava de carona. Às vezes, preferia esperar para não ter que pegar ônibus, porque demorava muito mais. E a carona na época era o mesmo preço que o ônibus, R$ 4,50”, conta.

Quem faz acontecer?

A atuação de Fernando segue um mistério, mas uma coisa é certa: as caronas surgem como alternativa – ou seria necessidade? – a um problema de mobilidade que, aparentemente, não tem solução. Em formulário respondido por 82 estudantes da UFMG, descobrimos as impressões sobre as caronas e alguns pontos positivos foram levantados. 

Muitos universitários opinam que a carona é benéfica tanto para quem oferta quanto para quem pega, sobretudo levando em conta o teor financeiro. Alguns também avaliam que a proposta de deslocamento coletivo também conflui para reduzir o tempo no trânsito e garantir maior segurança aos estudantes da universidade. Mais que isso, o conforto e a chance de conhecer novas pessoas constaram na resposta de boa parte dos estudantes.

“Todos os dias que precisei pegar ônibus no começo do período letivo foi um verdadeiro inferno para chegar na faculdade, muito cheio (existem apenas 2 linhas desde sempre e com horários muito limitados), desconfortável e péssimo para a saúde (tanto pelo Covid-19 quanto por questões mentais). Pegar o ônibus de manhã se tornou um gatilho de estresse para mim e, desse modo, as caronas ajudam muito a chegar na faculdade de forma mais digna e humana”, disse uma pessoa.

“As caronas facilitam bastante a locomoção considerando a baixa qualidade e alto custo do transporte público de Belo Horizonte, além de ajudar a diminuir os custos de quem vem de carro pra universidade. Tanto quem utiliza como quem oferece saem ganhando”, escreveu uma segunda pessoa. “É muito bom para as duas partes, economizo muito tempo. Além disso, conhecemos e conversamos com pessoas novas de cursos diferentes (network, fofocas, interação)”, pontuou um terceiro.

A reportagem contatou a reitoria de Assistência Estudantil para questionar sobre a participação da UFMG no monitoramento dos grupos de caronas. Segundo Shirley Miranda, diretora do órgão, “essa iniciativa não é de conhecimento institucional e, portanto, não ocorre sob coordenação dessa Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis”.