Os desafios de comunicar sobre educação pública no país 

Por Eduarda Sperandio, Luiza Waters, Matheus Augusto e Yasmin Gerimias*

Escutar sobre a fragilidade da educação pública básica no Brasil é algo cotidiano. Mas o que temos que entender é que a negligência do Estado nesse aspecto não é um processo inusitado nem contemporâneo, mas, sim, parte de uma estrutura que privilegia determinados valores, como o classismo. Basta pensarmos nas primeiras instituições educacionais brasileiras, não é?! No século XVI, quando surge o Colégio Salvador da Bahia, primeira escola de ensino básico do país, os objetivos eram formar sacerdotes e catequizar os indígenas para atender aos interesses da elite nacional, de manter a sua hegemonia. 

A ideia de que apenas homens, brancos, de certa faixa etária e classe social são aptos ao sistema educacional construiu a base para que a educação pública seja negligenciada ainda hoje. Entender a origem do sistema educacional no Brasil é compreender que as decisões da elite não atendem grande parcela da população, mesmo depois de cinco séculos do início da colonização europeia. 

Então, se já é um desafio desconstruir a visão hegemônica acerca da educação, imagina só comunicar sobre ela? Com essa reportagem, buscamos entender os desafios impostos sobre o processo de produção da comunicação pública da educação básica no país, através do Programa de Extensão “Pensar a Educação, Pensar o Brasil — 1822-2022″, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE-UFMG). 

O Projeto foi criado em 2007 por Luciano Mendes, professor titular da FAE, e Tarcísio Mauro Vago, professor emérito da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG (EFFETO). Ele tem como foco ser um articulador de questões que permeiam o âmbito do ensino, pesquisa e extensão, a partir da propagação do conhecimento científico a respeito da educação, buscando propor reflexões sobre o ensino público básico brasileiro. Atualmente, a equipe do Projeto é composta por 16 pessoas, sendo três professores coordenadores: Libéria Neves, Sandro Santos e Eliezer Raimundo; três bolsistas FAPEMIG coordenadores executivos, Vanessa Macêdo, Bárbara Altivo e Thiago Rosado; dois bolsistas de pós-doutorado, Lúcia Lomba e Mônica Abranches; três bolsistas de graduação FAPEMIG de investigação e cinco bolsistas de graduação Proex.  

Colaboradores do Projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil. Entrevistados: Vanessa Macêdo, da esquerda para a direita, a segunda na fileira inferior, e João Victor Oliveira, terceira pessoa na fileira superior, da esquerda para a direita.Fonte: acervo do projeto.

O intuito do projeto é focar no bicentenário da independência e se colocar em processo constante de problematização do lugar da educação no Brasil, nos últimos dois séculos de história. Ele faz isso a partir do desenvolvimento de dez ações para o público geral: Jornal Pensar a Educação em Pauta, Programa na Rádio UFMG Educativa, Pensar a Educação em Revista, Revista Brasileira de Educação Básica, Coleção de Livros, Observatório da Comunicação Pública da Ciência, Produção Audiovisual, Seminários, CEMIVE e Gestão de Mídias. 

Comunicar sobre a educação no país pode ser um desafio. Para o projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil”, essa é uma tarefa que exige trabalho diário, como coloca Vanessa Macêdo, ex-doutoranda da FAE que, através do convite de Luciano Mendes, se tornou editora de uma ação do Projeto, a Revista Brasileira de Educação Básica (RBEB), cuja proposta é divulgar experiências escolares, a partir de textos produzidos por professores da educação básica e das universidades brasileiras. 

Os inúmeros desafios de se comunicar sobre a educação 

Nos últimos anos, a ascensão da extrema-direita no país trouxe consigo um projeto ainda maior e mais agressivo, em níveis de discurso e de ação, de escasseamento da educação. Ações como o movimento “Escola sem partido”, a defesa da legalização do ensino domiciliar e a implementação da reforma do Ensino Médio e Base Educacional Comum Curricular demonstram a movimentação de uma classe branca e conservadora para manter seus interesses e explicitam o fortalecimento de discursos moralistas que endossaram os ataques ao ensino público e aos profissionais da educação. 

O espaço da escola serve para a formação de um sujeito com bases científicas. Além disso, é um meio para que indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade tenham acesso a uma mesma base de conhecimento. Como aponta Vanessa, “a escola é um espaço autorizado de educação, de acolhimento, de guarda de novos seres humanos, de atualização e reatualização de saberes e de currículos”. Ainda segundo ela, “todas essas tentativas de trazer a escola para o espaço privado e para a família são formas de reatualizar uma disputa antiga de espaço público entre família e escola. Esse tipo de cenário é uma completa ameaça aos valores democráticos e um tipo de retorno para o ambiente privado, para valores autoritários”. 

A construção desse imaginário que deturpa as funções do ensino e coloca as escolas e professores como inimigos dos valores e costumes da suposta família tradicional brasileira contribui para que comunicar a respeito da educação no Brasil do governo e pós-governo de Jair Bolsonaro seja um trabalho ainda mais árduo. Nesse contexto, além de discutir pautas para a melhoria da educação pública, é necessário realizar uma comunicação que reafirme constantemente a importância das escolas, os valores que ela carrega, e que retire o ensino institucional desse lugar de disputa com as famílias. 

O ódio como forma de opressão 

É importante frisar que o ódio construído em torno da figura dos professores também é um dos principais obstáculos para a comunicação da educação. E essa aversão aos profissionais é resultado de um revisionismo histórico que descredibiliza a ação do professor como educador. Dessa forma, os debates trazidos, mesmo que no campo pedagógico, são invisibilizados, desconsiderados e tratados como “doutrinação”. 

Com isso, o projeto “Pensar a Educação, Pensar o Brasil — 1822-2022″, além de subverter esses estigmas, estabelece comunicação com os próprios profissionais, a exemplo da Revista Brasileira de Educação Básica. Esta iniciativa é importante para que os professores ocupem as ações desenvolvidas pelo Projeto e se sintam empoderados e acolhidos ao estar em um espaço onde suas vozes são ouvidas. Nas palavras de Vanessa, “A ameaça aos professores e às professoras é o elo, talvez, mais efetivo da ameaça da extrema-direita, por isso, fomentar a autorização desses professores, a autoestima e a autoridade para fazer o que eles fazem, é muito importante”. 

Segundo João Victor Oliveira, professor do ensino médio e Coordenador Executivo do Programa de 2020 a 2023, as dificuldades para se comunicar nesse processo têm a ver com a audiência de determinadas esferas de comunicação em sobreposição às outras. De acordo com ele, nas redes, discussões acerca de outros movimentos sociais circulam mais do que pautas relacionadas à educação. Além do mais, há um outro fenômeno que não é tão novo, mas se apresenta de maneira muito específica neste período em que vivemos: as fake news. Então, se comunicar fica ainda mais difícil, pois é necessário resistir a uma série de procedimentos feitos com uma certa aparência de verdade para enganar, manipular e dificultar o nosso discernimento com relação ao que se entende por informação ou desinformação. 

Um novo olhar para a educação 

Como evidenciado na fala de Vanessa e João, os desafios de se comunicar sobre a educação são muitos, mas projetos como o “Pensar a Educação Pensar o Brasil — 1822-2022” são exemplos que nos apontam um caminho para outras formas de olhar questões acerca da educação. A resistência vai além da construção de um novo ensino, mais acessível e inclusivo, ela também está na forma como discutimos e conversamos sobre o assunto. Por isso, comunicar a educação é, também, resistir. 


*Reportagem produzida no “Laboratório de Comunicação: Jornalismo sobre Ciência e Decolonialidade”, coordenado por Antonio Fausto Jr., Jornalista e doutorando do PPGCOM/UFMG