E aí, cê sabia que lá tem até uma Praça dedicada à fruta?

Quem aí não tem um abacaxi para resolver? O meu é grande, do tamanho de uma reportagem final de disciplina…Mas quem vê tantas dessas frutas de massa amarela descascadas nas bancas do Mercado Central não deve achá-las tão difícil assim de lidar (espero que construir esta matéria não seja também), e é sobre elas e a Praça do Abacaxi que escrevo para vocês.

A minha primeira ida ao Mercado foi bem confusa. Havia feito uma imersão no mês de maio em busca da tão esperada pauta. Conversei com comerciantes, visitantes e frequentadores diários do Mercado, para tentar abstrair dali uma história que fosse interessante de ser contada. Voltei dia 12 de junho, mais direcionada e com um foco: a tal Praça do Abacaxi.

Fica em um lugarzinho bem escondido, próximo a saída para a Avenida Amazonas – Foto: Tayrine Silva

Ao chegar lá procurei por um mapa no guichê de informações turísticas e descobri que estava em falta. Então resolvi ir pelos meus próprios instintos, já que não sabia como funcionava o lugar, nem como era a disposição das lojas (e se essa disposição existia). Acima das nossas cabeças, na altura dos tetos dos comércios, há uma série de placas indicando estacionamento, sanitários, informações turísticas e a Praça do Abacaxi. Lembro de um bate-papo que tive com meus colegas de trabalho, e uma das meninas comentou que sempre que ia ao Mercado, fazia questão de comer abacaxi lá. O hábito parece ser bem comum entre os belorizontinos e visitantes do local.

Tentei localizar a praça apenas pelas direções das placas, mas sem sucesso, tive que parar e perguntar a um segurança como chegar até lá, e ele me indicou que a praça ficava ao lado do elevador. Bom, procurar por um elevador já era mais fácil. Lembrava que na primeira visita tinha  visto esse elevador, mas não lembrava de nenhuma praça. Segui as direções que o segurança indicou e consegui chegar até o elevador. Lá não pude conter a surpresa (ou até decepção).

A gente do interior está acostumado com um estilo de praça. Um local aberto, com mesinhas, pessoas conversando e até mesmo jogando um carteado. Ao invés de um espaço de convivência, me deparei com um elevador no meio da dita praça. Ao seu lado estão vários carrinhos de supermercado, pessoas passando, sim, mas ninguém se sentando no tímido banquinho que existe no local e jogando conversa fora. Nesse lugarzinho, em beira de esquina, há lojas que comercializam passarinhos e laticínios, e apenas uma que tem em sua banca abacaxis em pedaços e inteiros para vender. Enfim, não vou me alongar nessa decepção e esquecer da história que vim contar. Continuando…

Abacaxi é o mais doce que já comi na vida

Algo que não decepciona e é 100% verdade, é que o abacaxi é o mais doce que já comi na vida. É verdade que não sou uma pessoa que tem a fruta com uma de suas prediletas, mas houve muita surpresa e doçura ao degustar o pedaço de abacaxi da banca do seu Tião. Sem dúvidas é um alimento gostoso, talvez por não comer há tanto tempo ou somente pela sua qualidade. Enfim, após mais uma pausa, vamos continuar a contar essa história.

Há mais de 40 anos o Rei do Abacaxi está na Praça. Foto: Tayrine Silva

De frente para o Rei do Abacaxi, há um banquinho (finalmente), onde me sentei e fiquei observando o local. Para entender melhor o que era aquele ambiente, puxei papo com Fubá, um moço que trabalha na banca. Ele contou que está há 30 anos no Mercado vendendo abacaxi,  já teve sua loja, mas (entre idas e vindas) exerce a atividade há 18 anos com Hércules, um dos donos do Rei do Abacaxi. Fubá comentou que antigamente existiam muitas lojas da fruta ali, mas elas foram substituídas por comércios de laticínios e lanchonetes. Apesar da drástica diminuição das bancas, antes encontrávamos cinco na Praça e hoje há apenas quatro em todo o Mercado, Fubá afirma que comer abacaxi no Mercado Central é uma tradição, e por isso ainda há o comércio da fruta no local.

Fubá garante que, em média, a banca vende 300 pedaços de abacaxi todos os dias . Foto: Tayrine Silva

Se a fruta se tornou uma das marcas registradas do Mercado, a tradição transcende as vendas e une famílias. Hércules está há 42 anos trabalhando no Rei do Abacaxi, e divide o serviço e as despesas com seus irmãos. O comerciante cresceu ao redor das frutas, e principalmente, dos abacaxis, pois a banca foi criada por seu pai há 67 anos. Hércules conta que desde pequeno trabalha no Mercado mexendo com sacolão e após a aposentadoria do pai assumiu o negócio. Ele relata que segue no ramo por gostar de mexer com a fruta e pelas vendas darem certo. O dono da banca conta que as demais lojas que estavam em torno da Praça, junto com a dele, foram fechando  pouco a pouco dando lugar a outros ramos de negócios: alguns comerciantes faleceram, outros se aposentaram e seus filhos não quiserem dar continuidade ao negócio, já que seguiram outras profissões, como Direito, Medicina e Engenharia. 

No corredor paralelo à Praça, encontra-se a banca do Tião. Foto: Tayrine Silva

Apesar da rotina pesada e do longo tempo de estrada, o bom humor é marca registrada do Tião, que me recebeu com um sorriso no rosto e vontade de contar história. O senhor é o que está há mais tempo vendendo abacaxi no Mercado, 58 anos, e relata com bastante entusiasmo a trajetória dele e da Praça. Tião explicou o nome de Praça do Abacaxi:  muitas bancas que vendiam a fruta de massa amarela e seria uma maneira de popularizar o local e chamar a atenção dos clientes. O comerciante diz não saber ao certo quando esse nome foi criado, mas garante que desde que tem sua lojinha de frutas o espaço já era conhecido assim. 

Tanto tempo no Mercado e comercializando a mesma coisa não é para muitos, né? Tião conta que além das vendas, construiu grandes amizades ao longo dos 58 anos. Com muita simpatia ele conta que tem clientes muito antigos, que todas as vezes que vão ao  Mercado passam em sua banca para comprar a fruta para levar para casa. Tião se orgulha muito do bom serviço que oferece aos clientes, já que é possível levar o abacaxi descascado, e ainda salienta que ele vende saúde! (Se saúde tivesse um sabor, certamente seria o da fruta docinha e gelada da banquinha do seu Tião). Educação, respeito ao consumidor e (muito) bom humor são a fórmula de sucesso da lojinha.


Um “cadinho” da vida

Depois de bater um papo com todos esses comerciantes, consegui entender um pouco melhor o porquê do nome Praça do Abacaxi. Acho que muito além de ser espacialmente reconhecida como uma praça, um espaço aberto e de convivência, o local carrega tradições e memórias, conta um pouquinho da história do Mercado Central de Belo Horizonte e um “cadinho” da vida dos mineiros também. Confesso que o que em um primeiro momento gerou estranheza e uma certa decepção, terminou mostrando-se como resistência aos tempos modernos e às tecnologias. É importante olharmos para os lados e ver que tudo evolui  (ou no caso do Mercado, vê que o que antes era um local onde se vendia apenas alimentos, hoje é possível encontrarmos diversos produtos e serviços), mas também é importante sentirmos que há coisas que parecem que não vão mudar, não importa o quanto o mundo (ou o comércio) mude. 

Bom, acredito que é isso, descasquei o meu abacaxi (trabalho final) no Mercado Central, mais especificamente no encontro entre a Augusto de Lima e Av. Amazonas. Meu nome é Tayrine, sou nascida em Caratinga (para quem não conhece, no caso, a maioria, é uma cidade no leste mineiro, a uma hora de Ipatinga e uma hora e meia de Governador Valadares), e moro em Belo Horizonte há quase quatro anos. Mudei para BH, pois passei no curso de Jornalismo na UFMG e desde então venho descobrindo a cidade. Após três anos e alguns meses morando aqui, fui ao Mercado Central. Sim, eu sei que todas as pessoas quando se mudam para um lugar novo vão a todos os pontos turísticos da cidade, se atualizam sobre tudo que há naquele novo lar, mas comigo não foi assim. Às vezes sinto que as pessoas superestimam demais os lugares, quando foi instituído que o Mercado Central é um ponto turístico imperdível de Belo Horizonte? Bom, essa informação eu realmente não sei, mas não a questiono com tanta veemência e até sinto uma certa vergonha, já que moro aqui há tanto tempo e nunca havia ido lá. 

Tayrine Vaz

 “Gente, conta aí: o que vocês entendem como praça?”