Futuro do curso preocupa alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Por João Carlos Alves, Pedro Gonçalves e Vagner Cardoso*

Nos últimos anos, as universidades federais vêm sofrendo sucessivos cortes de verbas, prejudicando bolsas de iniciação científica, pagamento de despesas gerais e o funcionamento de cursos nos campi. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não é diferente. Esse sucateamento, aliado à Resolução Nº 06/2022, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), prejudica diretamente cursos noturnos. Tal resolução, que “estabelece diretrizes para a organização curricular e gestão da estrutura formativa de tronco comum”, exige que cursos com o mesmo tronco comum – núcleo de disciplinas obrigatórias – sejam do mesmo turno, o que pode ocasionar mudanças estruturais na oferta de cursos e, em casos mais graves, até mesmo a extinção de alguns.

Colagem reflete influência da moda européia e norte-americana na interpretação da Moda (Arte: João Carlos Alves)

Um desses cursos é o de Design de Moda. Ofertado desde 2008, na esteira do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), ele é a evolução do curso de extensão em Estilismo e Modelagem do Vestuário, oferecido pela Escola de Belas Artes da UFMG desde 1984. Sempre noturno, o curso sofre com problemas de infraestrutura e de logística: com apenas sete professores no corpo docente, os alunos têm dificuldades em conseguir vagas nas disciplinas obrigatórias, o que culmina em atraso na conclusão do curso. Sem falar no fato de que, como o número de professores é limitado, as disciplinas optativas são poucas e a possibilidade de participação em projetos de iniciação científica é baixa. 

Na Escola de Belas Artes, não é difícil encontrar cartazes de protesto contra a situação. A frase “e o curso de moda?” é o principal slogan da batalha dos discentes na luta pela sobrevivência – e melhoria – de um curso que ainda não cumpriu o que prometeu.

Legenda: Faixa colocada sobre o guarda-corpo da escada do prédio da Escola de Belas Artes. (Foto: Pedro Gonçalves).

Para além da infraestrutura

Fora os problemas de estrutura e de orçamento, ainda há um fato menos visível, mas também agravante, no percurso educacional dos discentes: o apagamento das culturas latino-americana e de matriz africana nas maneiras de entender a moda. 

Em outras palavras, a trajetória do curso de Design de Moda, desde a sua criação, pouco fugiu às normas do eurocentrismo, para o qual a evolução e a modernização é crível apenas na Europa e todas as outras experiências históricas são inválidas, como citou Samin Amin, economista que cunhou o termo na década de 1970. Desde a utilização de termos em inglês, como style e fashion, até o apagamento de culturas locais, os discentes enxergam um padrão branco na forma de se vestir e de enxergar o belo em vigência no curso. 

Visão dos discentes

Por meio de formulário disparado pelo Diretório Central de Estudantes de Moda, alunos relataram suas experiências com o curso e, devido à influência do colonialismo e à falta de professores no corpo docente, há um consenso entre discentes de que não há tempo nem interesse em expandir a percepção de moda para além da Europa. Alguns alunos afirmam existir iniciativas para resgate de laços não-europeus, mas que partiriam, quase que exclusivamente, de demandas discentes. Alguns professores até incentivam, mas não existe uma iniciativa palpável e concreta.

Além de consultar as respostas ao formulário, também entrevistamos dois estudantes do último semestre de Moda, Wellington Domingos e Isadora Santos. Ambos afirmaram que o curso é pouco inclusivo. Perguntados, ainda, sobre os desafios existentes para a manutenção do curso de Design de Moda, tanto Wellington quanto Isadora apontaram as barreiras de infraestrutura e a baixa presença e pouca efetivação do corpo docente, o que impacta também em um ponto levantado por ambos: a ausência de professores negros, tópico importante no debate sobre diversidade e inclusão, além da ausência de assuntos afrocentrados. 

Para Wellington Domingos, além de reduzido, o corpo docente do curso carece de diversidade (Foto: acervo pessoal).

Com relação ao conteúdo ministrado no curso, principalmente sobre a forma como as ementas disciplinares são pensadas com base na cultura europeia, os estudantes têm visões contrastantes. Isadora lembrou que a graduação em Moda conta com professores que prezam pela valorização da cultura brasileira, além do estímulo à visão criativa, individualista e pessoal. Wellington, porém, disse que a grande influência da cultura europeia na metodologia de ensino e a falta de abordagem da moda em outras regiões do mundo fazem com que os produtos finais tenham características eurocentradas e se tornem repetitivos ao longo da graduação.

Isadora Santos, prestes a concluir o curso, reivindica melhor infraestrutura. (Foto: acervo pessoal).

O que o futuro reserva?

Por fim, questionados sobre seus objetivos pessoais e sobre a visão em relação à moda, houve principalmente a exaltação às roupas como parte da personalidade e das vivências dos sujeitos. Além disso, a moda, tanto para Wellington como para Isadora, é sobre ter conforto e se sentir bem, sem necessariamente se preocupar com as tendências; segundo os discentes, uma estrutura, metodologia de ensino e presença sólida de docentes podem corroborar com o desenvolvimento de diversas visões extremamente únicas que cada aluno tem e exercita para produzir suas obras.

O curso de Moda, no entanto, integra um panorama de bons prognósticos, uma vez que, mesmo com os cortes orçamentários realizados na UFMG em 2022 – chegando a uma redução de 87% –, o ano de 2023 se iniciou de maneira diferente, com o anúncio, por exemplo, do reajuste em 75% das bolsas acadêmicas custeadas pela Universidade, o que indica uma retomada no investimento na comunidade acadêmica. Além disso, houve a retomada da expansão da Escola de Belas Artes: com as obras paralisadas desde 2014, via seu espaço ficar obsoleto e pouco receptivo para os cursos de artes, incluindo Design de Moda. Tais pacotes de investimentos em bolsas e infraestrutura contemplam diversos cursos da UFMG e pretendem fomentar o crescimento da instituição para mantê-la dentre diversos indicadores, com uma das melhores da América Latina. O Design de Moda agradece.


*Reportagem produzida no “Laboratório de Comunicação: Jornalismo sobre Ciência e Decolonialidade”, coordenado por Antonio Fausto Jr., Jornalista e doutorando do PPGCOM/UFMG