Espaço e território de união entre pessoas, encontros, celebrações e construção de identidades na região do Horto 

Por Alberto Favato, Felipe Lemos, Júlia Salles, Laura Tadaieski e Pedro Martins*

O Estádio Independência, localizado na região do Horto, é um ambiente tradicional de Belo Horizonte. Conhecido por ser palco de grandes jogos e conquistas do futebol mineiro, o estádio do Horto é espaço de união entre pessoas, encontros, celebrações e construção de identidade e história. A partir de conversas, e a busca por entender um pouco mais sobre o que o Independência representa na história de BH, surge um relato sobre a relação entre um estádio e as pessoas.

“Olha, é festa, é festa! Tanto para nós torcedores quanto para turma fazer o seu comércio paralelo, é fantástico.” Americano desde os quatorze anos, Antônio Leão, de 64, nos contou em entrevista algumas das suas perspectivas e experiências dos seus mais de 30 anos frequentando o Independência. Para ele, ainda que lentamente e com a velha guarda presente, a  torcida vem se renovando cada dia com mais crianças e jovens nas arquibancadas, algo associado a reforma do estádio mas que ainda carece de incentivo por parte do clube. 

Foto: Reprodução Instagram /luisoamaral

Que o Independência é um dos estádios mais antigos de Belo Horizonte, não é novidade para ninguém. Finalizado para sediar a Copa do Mundo de 1950 durante o mandato do prefeito Otacílio Negrão de Lima, o estádio Raimundo Sampaio (como é originalmente seu nome), conhecido por abrigar jogos do América, Atlético e Cruzeiro, os três principais clubes da capital, desempenha um papel fundamental na cultura esportiva e econômica da região.

Durante décadas, o local serviu como palco para jogos de futebol de equipes amadoras e profissionais. No entanto, foi somente em 2012 que o estádio passou por uma grande reforma e se tornou a moderna Arena Independência, com capacidade para aproximadamente 23.000 torcedores.

Mesmo com o Mineirão sendo o principal estádio de Belo Horizonte desde meados de 1960, os times da capital mandam muitas de suas partidas no Horto. Americanos, atleticanos e cruzeirenses povoam a região em dias de jogos, mas cada torcida tem sua peculiaridade quando o assunto é o Independência. 

O América e o Horto

O América Futebol Clube, clube tradicional de Belo Horizonte, possui uma forte conexão com o estádio, construída desde antes da aquisição, mas que se fortalece a partir do momento que o Independência deixa de ser um estádio de todos e passa a ter um “dono”. A torcida do América vê a Arena Independência como a sua casa. O Horto, como é carinhosamente chamado pelos torcedores, tornou-se um ponto de encontro para os americanos, que acompanham fervorosamente os jogos de seu time. Para eles, a proximidade com o estádio e a atmosfera única criada durante as partidas são fontes de orgulho e identidade clubística.

Denise Cruz, outra torcedora do América, também comenta sobre o aumento da presença desses jovens. Para ela, os filhos e netos agora estão assumindo os lugares nas torcidas levando mais energia, como exemplo ela cita a Barra Una, uma das organizadas mais antigas que agora é comandada pelos jovens e responsável por agitar as arquibancadas em todos os jogos, com instrumentos, fitas e bandeiras, criando uma grande festa. E assim como Antônio fala sobre a falta de incentivo, Denise reafirma essa questão e ainda vai além, questionando uma renovação total do clube, desde os jogadores a diretoria, que para ela está estagnada e precisa se arriscar mais. 

Para além das arquibancadas, toda essa identificação da torcida com o estádio cria a cada jogo um clima de festa na região, com amigos e famílias se encontrando horas antes das partidas para aproveitar as redondezas nessa atmosfera americana, Antônio, por exemplo, conta: “o jogo tá marcado pras seis e meia, eu cheguei aqui duas e meia, todo jogo eu chego sempre três horas antes, quatro horas antes, por causa da resenha, das amizades que eu vou criando aqui e as que eu já tenho criado aqui.” Mesmo sendo palco para muitos outros times, o Horto é a casa da torcida americana, que trata o lugar com muito afeto, que é passado de geração em geração. 

E a relação do Atlético e do Cruzeiro com o Independência?

Apesar de toda a identificação americana, Atlético e Cruzeiro também tem uma grande ligação com o estádio, palco de grandes jogos para essas equipes. Por isso é inevitável falar sobre o Independência e dizer sobre esses times também. 

Guilherme Frossard é jornalista da TV Globo e cobre partidas dos times da capital no Independência desde o ano de 2021. Para o repórter, desde os momentos pós reforma, a diferença é clara no tratamento do Horto pela torcida celeste e a torcida alvinegra, tendo a segunda maior identificação com o estádio devido aos momentos nele vividos. Um grande marco foi a Libertadores de 2013.

“O atleticano gosta mais do Independência do que o cruzeirense, então tem mais esse perfil de curtir os arredores do estádio, fazer mais festa por ali, enfim, tem mais essa relação afetiva. O torcedor do Cruzeiro não tem tanto essa conexão com o estádio, e isso é bem perceptível.”, disse Frossard. 

Porém, não só de momentos positivos essa relação entre atleticanos e Independência se dá. O caso mais recente e polêmico envolvendo o Horto e a torcida do Atlético foi o caso da Myrza Guimarães, atleticana fanática e vizinha do estádio que teve suas janelas tapadas por um outdoor do clube da casa dias antes da final do campeonato mineiro deste ano, por ordem da diretoria do clube. Questionada sobre a motivação, a torcedora afirma que é porque torcia muito de sua casa nos jogos do alvinegro e isso incomodava o rival.

Foto:Vista da casa de Myrza para o Independência em dia de jogo do Atlético Mineiro/ Arquivo Pessoal

Myrza também fez uma comparação das torcidas quando jogam no estádio. “Presenciar mesmo, só os do Galo, quando jogo bandeira e torço muito. Quando estou em casa e tem Cruzeiro jogando, ouço muito barulho; quando é o América bem menos. Às vezes, quando tem jogo e vou à varanda para molhar as plantas, percebo que em jogos do Cruzeiro fica lotado como nos do Galo e nos do América quase vazio.” 

Ela contou que durante os doze anos que mora na região, já presenciou muitos jogos e tornou sua casa um ponto de encontro dos amigos e torcedores em dias de jogos do Atlético. Geralmente eles assistem ao primeiro tempo da varanda com vista privilegiada e ao segundo tempo vão ao estádio. 

A própria Myrza relata que essa transformação da casa em um ambiente de torcida não foi algo pensado inicialmente e que foi acontecendo de maneira natural a partir da sua paixão pelo seu time e a relação construída com o estádio.Perguntada sobre o momento mais marcante, a resposta não poderia ser outra senão o jogo das quartas de final da Libertadores de 2013. Com a defesa histórica do goleiro Victor, ela disse que sentiu sua varanda cair de tanta emoção. 

Tais relatos mostram uma relação entre o Independência e a torcida atleticana, que vem desde da década de 1950, cujos títulos eram comemorados carregando jogadores do estádio até a Praça Sete, na região central, até  momentos mais recentes, feito o título da Libertadores de 2013. Mesmo não sendo a casa dos atleticanos existem conquistas significativas e uma relação mais emocional desta torcida com o estádio, o que não se reproduz com o Cruzeiro, uma vez que suas principais relações afetivas, títulos e relações de encontro se fixam no Mineirão. 

Impulsionando o comércio local

Foto:Arredores do Independência em confraternização de pré-jogo/ Felipe Lemos

A Arena Independência não apenas é relevante para as torcidas, mas também exerce uma influência significativa sobre a região do Horto. Anteriormente conhecido como um bairro prioritariamente residencial, o local testemunhou um florescimento do comércio local. Estabelecimentos como bares, restaurantes e lojas de lembranças surgiram, direcionando seus serviços aos torcedores. A economia da área foi estimulada pela presença constante dos fãs do esporte e pelos eventos esportivos realizados no estádio. 

Já no que diz respeito a vendedores de camisas de times na região, eles contam que vêm sendo muito prejudicados pelo público que frequenta o estádio atualmente e pelas condições impostas a eles. Eloísa trabalha há 39 anos na porta de estádios vendendo camisas, e tem um grande conhecimento do Independência.

“Hoje já é mais complicado, porque antes você vendia para a geral, tinham mais setores e o pobre poderia vir no campo, hoje não tem isso mais. Então quem vem no campo é quem tem dinheiro, e quem comprava mais na nossa mão era a classe média e a classe baixa e hoje não. O pessoal, na maioria, compra tudo pela internet, então as vendas vem caindo, cada dia que passa vai caindo mais.”

Foto:Venda de camisas nos arredores do Independência/ Felipe Lemos

O quanto o Independência mudou?

Ao longo das últimas décadas, o ambiente do Independência viveu transformações que marcaram a passagem do tempo, a evolução do futebol e da relação das pessoas com o esporte e com o estádio. Uma arena que já foi a maior de Belo Horizonte, que recebeu jogos históricos numa época com menos acesso à informação e imagens, apresenta uma contribuição na vida de pessoas que têm nesse estádio um pedaço de sua história.

Enquanto nos dias atuais percebe-se uma elitização do público do Independência, o jornalista Odilon Amaral, que fazia coberturas esportivas pela TV Globo na década de 1990, traz um contraponto, mostrando a facilidade de frequentar o ambiente na época.

“Tinha uma laje, atrás da arquibancada, no fundo do campo, que sempre tinha churrasco… era muito engraçado. O pessoal assistia aos jogos dali, de graça. Muita gente também via os jogos das varandas dos prédios em volta, porque o estádio não tinha cobertura.”

Antigo Independência antes da reforma Foto: Reprodução/Superesportes

No caso de Gildo Victor da Cruz, torcedor do América de 71 anos de idade, as transformações do Independência e do futebol do América, acompanham a sua vida. “Primeira lembrança do Horto? A gente era menino, subia na casa, no terreno vazio, no morro do Pitiba, a gente via o jogo sem pagar ingresso. O Independência era diferente, era uma escada mesmo, tudo de cimento, mas era o maior estádio de Belo Horizonte.”

Foto:Gildo e Denise, torcedores do América/ Pedro Martins

As transformações do espaço são perceptíveis, assim como a das pessoas que ocupam e se relacionam com o Independência. Gildo e sua esposa Denise, relatam sobre a torcida do América e como ao longo dos anos eles tem notado um novo perfil de torcedores. “Eu acredito que a torcida ganhou mais intensidade por conta da energia da moçada, nós fazemos parte da torcida que tem mais idosos, mas agora estão chegando os filhos e netos desse pessoal. Pessoal foi ficando mais velho e foi sumindo, mas de uns cinco anos pra trás, tem chegado um pessoal muito forte.”

E de um casal que já viu jogos emblemáticos como Seleção de Minas contra Santos do Pelé, vivenciou a evolução da história do do estádio e ainda acompanha ativamente o clube, há um forte reconhecimento da importância de sempre renovar. “O América precisa renovar a torcida, o time, a estrutura, a diretoria. É necessário arriscar mais, ter caras novas.”

O Independência é um ambiente dinâmico, que faz parte da história de Belo Horizonte, do esporte e principalmente das pessoas. Sua relação varia e carrega um significado para cada um que o conhece, mas apesar de todas essas questões ele se configura como uma parte importante da cidade e das pessoas. As transformações pelas quais ele e seus arredores já passaram não mudam o fato de que ele é muito mais que um estádio, é parte viva de BH.


*Reportagem produzida no “Laboratório em Comunicação Social: Belo Horizonte, jornalismo e futebóis”, coordenado por Ives Teixeira, doutorando do PPGCOM/UFMG