Alunos da UFMG que moram na Região Metropolitana de BH contam como lidam com os impactos da distância e explicam se falta assistência estudantil.

Reportagem por Hellen Cordeiro

Para alguns alunos da UFMG que residem na Região Metropolitana de Belo Horizonte, sair bem cedo de casa é preciso para se chegar a tempo do início das aulas, já que precisam se deslocar por um longo caminho, podendo enfrentar até horas para realizar esse percurso, além de ter que enfrentar os contratempos do trânsito. Optar pelo transporte público para se locomover entre casa e faculdade é lidar com a imprevisibilidade, correr o risco de se atrasar e gastar muito tempo no trajeto. Por isso, alguns alunos buscam alternativas mais rápidas e confortáveis.

Chegada à Universidade pela Estação UFMG do Move./ Foto: Cid Costa Neto, via Wikimedia Commons.

Kauet Machado e Carolina Costa são alunos da UFMG e moram na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Diariamente eles têm que enfrentar a distância e o trânsito para chegarem à Universidade. Nessa entrevista eles contam qual a experiência deles e quais as alternativas que buscaram ao transporte público.

Kauet cursa Jornalismo na UFMG e é morador de Santa Luzia, a cerca de 22 quilômetros do Campus Pampulha e gasta por volta de 50 minutos para chegar à universidade. Para não se atrasar, ele precisa acordar às 05:20 da manhã para poder assistir às aulas que se iniciam às 8 horas, caso utilizasse ônibus como meio de transporte, teria que acordar pelo menos 20 minutos mais cedo.

Trajeto de Santa Luzia à UFMG/ Foto: Google Maps

Em entrevista, ele nos conta as diferenças entre o sistema de caronas e os ônibus metropolitanos e o porquê da escolha por uma alternativa ao transporte público:

Kauet

“Eu acho que o principal impacto do transporte público no meu dia a dia é a questão do tempo, sabe? E o cansaço que viria relacionado a isso. E eu gasto em média em cada carona no máximo 50 minutos. Só que no ônibus, no mínimo, eu gastaria uma hora e meia. Não tem como gastar menos do que isso. Então, o transporte público, sabe, ele me cansaria mais pela questão do tempo, pela questão da qualidade dos ônibus, porque eles são bem precarizados aqui na minha cidade. Bom, eu escolho as caronas por três motivos. Primeiro, por causa do tempo, que querendo ou não, como eu falei anteriormente, é muito grande a diferença entre o transporte público e a carona. E querendo ou não, sabe, esse acréscimo de tempo, sabe, esse acréscimo na carga dessa jornada, né, desse transporte entre a minha casa e a UFMG, que acontece no transporte público afeta diretamente minha vida. O segundo ponto é a questão do conforto. É muito mais confortável que os ônibus. Os ônibus, como eu falei, são sucateados de certa forma. Tem aquela impressão de que eles estão ‘caindo aos pedaços’. E querendo ou não, um carro é mais confortável, eu posso descansar, até mesmo eu preciso dormir dentro dele, eu estou seguro, sabe? Eu estou mais tranquilo dentro daquele ambiente ali, que são geralmente pessoas que eu conheço que me dão carona, né? E o terceiro motivo é a questão da praticidade. Eu consigo combinar uma carona com a pessoa que me dá a carona? Um dia antes, no WhatsApp, eu combino o local que eu vou encontrar ela, a hora que eu vou encontrar ela, diferente do ônibus. Quando a gente fala de ônibus, principalmente dos ônibus da região metropolitana, principalmente de Santa Luzia, você não tem controle se eles vão vir ou não, sabe? Você não sabe que horas que eles vão vir, se você vai conseguir pegar eles a tempo, como é que vai ser esse trajeto deles até lá na estação, sabe? Para depois você ter que pegar um segundo ônibus para ir para o UFMG. É complicado isso. Então a praticidade de eu poder marcar e saber tipo assim onde eu vou encontrar, como eu vou encontrar, me ajuda demais. Não fica tipo assim: ‘nossa, como é que eu vou chegar lá no tal horário?’ Olha, eu acho que esse tempo gasto no trajeto impacta assim, tanto quanto se fala do tempo que eu gasto na carona como no transporte público. Obviamente, o tempo da carona, ele ameniza muito mais esse impacto por ser mais rápido, mas afeta assim minha qualidade de vida, por causa de que eu acabo tendo que acordar mais cedo, eu acabo tendo que me movimentar mais, coisas que eu não teria que fazer se eu morasse por exemplo num bairro vizinho. Eu acho que tem um certo impacto negativo na minha vida.”

Enquanto o dia começa muito cedo para os alunos do matutino, os do noturno só chegam em casa bem tarde da noite. Além da distância e valores altos de transporte, os alunos desse turno enfrentam outro problema: a insegurança de se estudar à noite. Carolina, estudante de História, mora em Ibirité, a pouco mais de 30 quilômetros da UFMG, em um bairro mais próximo a Sarzedo. Ela relata qual a sua experiência e os impactos de morar distante da universidade em que estuda:

Carol

“Como eu vou e volto de van, eu demoro uma hora e meia indo e uma hora e meia voltando. Ou seja, eu gasto três horas no transporte da UFMG todos os dias, de segunda a sexta-feira. É uma van que eu pago por mês. Não me busca em casa, a van me busca numa BR próxima daqui da minha casa. Então eu tenho que descer até lá todos os dias. É uma caminhada assim de uns 15 minutos. Eu desço até lá, a van me pega lá e também me deixa nessa mesma BR, que aí, geralmente, meu pai ou minha mãe me buscam, porque, né, eu estudo à noite, então é perigoso pra eu voltar sozinha a pé. Então a razão por eu ter escolhido a van é por segurança, principalmente, porque voltar de ônibus é inseguro, ainda mais para quem é mulher. Eu saio da faculdade dez e meia, então pegar ônibus assim, esse horário da noite, é muito perigoso. E um pouco de conforto também, porque não tem a questão do atraso do ônibus, que acontece bastante e tudo mais. Mas a princípio, o que é relevante, é a segurança para mim. Porque a volta realmente é complicada. Então, quando eu vou para o UFMG, por exemplo, em outros horários, de manhã, por exemplo, que eu não vou de van, que eu vou de ônibus, quando tem algum compromisso durante o dia e tudo mais, que a gente sabe que muitos dos eventos da UFMG acontecem durante o dia, eu pego três ônibus. Então, pegar três ônibus voltando 10h30 da noite é bem perigoso, além de ser desconfortável e mais, né, assim, principalmente perigoso. Não só assalto, essas coisas, mas como a gente sabe, qualquer tipo de violência contra a mulher que a gente sempre está sujeito aí a enfrentar, né, e como mora muito longe. Então, morar distante da faculdade, eu acho que a principal dificuldade é o cansaço. Eu fico muito cansada nesse transporte, então eu chego muitas vezes cansada para estudar, para assistir uma aula e tudo mais.”

Trajeto entre Ibirité e UFMG/ Foto: Google Maps

Um ponto em comum para vários desses estudantes é justamente o impacto econômico, seja com as altas passagens de ônibus, ou pelo preço pago por um transporte alternativo. O peso no bolso todo mês é inevitável. Se manter na universidade é um custo muito alto para algumas pessoas, e os auxílios são fundamentais para que muitos não tenham que desistir do sonho de cursar uma faculdade. A Prefeitura de Belo Horizonte oferece o passe estudantil, mas apenas para as escolas municipais do Ensino Fundamental, Médio e o EJA (Educação de Jovens e Adultos), não contemplando os alunos do Ensino Superior. Alguns alunos da UFMG podem contar com uma assistência estudantil, a FUMP (Fundação Universitária Mendes Pimentel), que oferece auxílio transporte de R$180,00 para os alunos assistidos, mas os gastos com transporte são altos. 

Ainda em entrevista, Kauet e Carol falam desse impacto financeiro e sobre a importância da assistência estudantil através do auxílio transporte:

Kauet

Então eu acho que o peso da passagem é uma questão muito relevante a ser discutida. Principalmente quando a gente tem noção que tipo assim, é péssimo o serviço oferecido, não um serviço que justifica o valor. Ainda mais quando você olha para os ônibus, que pensa, nossa, eu estou dentro de um ônibus que está aparecendo “uma carroça” e eu estou pagando caríssimo por isso. É um custo muito grande, que a gente sente direto, né, essa questão financeira no bolso e também tem a questão do custo social disso tudo, porque a gente que é da região metropolitana, pelo menos eu falando por mim mesmo, a gente acaba sendo excluído de eventos que tem no campo. Existem festas, existem encontros, sabe, assembleias, entre outras coisas que andam ocorrendo, por exemplo, muito nesse semestre, em que eu, por exemplo, me sinto totalmente excluído, porque eu não tenho condições de ir para o UFMG. De noite, ficar lá várias horas e não ter noção de quando eu vou sair de lá, porque eu não sei se eu vou ter um ônibus para retornar em segurança para casa, sabe? Então sim, os auxílios da FUMP são muito bons, eles deveriam ser realmente maiores, deveriam ser melhores, porque eu, por exemplo, sou um estudante de baixa renda. Então para mim, mudaria muito minha realidade, ter um auxílio maior que me permitiria ter mais conforto, até para eu frequentar o campus e ter segurança e falar, nossa, se acontecer um extremo, eu não conseguir pegar ônibus, eu consigo chamar um Uber e ir pra casa, sabe? Essas bolsas deveriam ser maiores porque elas trariam mais inclusão pra gente. Permitiria que a gente participasse, que a gente se sentisse mais incluído dentro do ambiente acadêmico, dentro do ambiente do campus. O que querendo não é um ambiente que tem vários eventos e várias coisas. E muitas vezes eu, por exemplo, me sinto excluído.”

Carol

“Quando eu tenho algum compromisso durante o dia, eu pondero muito se eu vou. Então, como eu tenho que pagar além da van durante o dia, eu gasto bastante. A minha van é muito cara, então eu acabo gastando bastante. E aí esse é o segundo fator que mais influencia morar longe, essa principal dificuldade, porque realmente é difícil bancar esse transporte. Eu sinto sim esse impacto financeiro, até porque os ônibus da região metropolitana são bem mais caros do que os de BH. Eu acabei de entrar pra FUMP, então eu recebo, vou receber, aliás, o meu auxílio transporte e o meu auxílio manutenção. Mas o auxílio que a FUMP dá de transporte é pouco, né? São 180 reais, então, assim, eu gasto muito mais do que isso só pra ir. Então não cobre nem metade do valor total que eu gasto com passagem. Já ajuda, né, porque é melhor do que nada, mas eu precisava de um valor maior. Eu acho que me parece que o valor da FUMP é padrão, mas eu acho que deveria ser de acordo com a distância de cada estudante, porque cada estudante tem uma demanda. Então, eu tenho uma demanda maior do que quem mora perto da UFMG, então acho que deveria ser proporcional.”

Mari Oliveira, também estudante de História, é coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes da UFMG. O DCE se mobiliza em diversas frentes e causas em favor do direito dos estudantes, uma dessas pautas defendidas é o passe estudantil. Ela comenta a questão do impacto financeiro na vida desses alunos:

Mari

“No momento que a gente está vivendo, a gente está debatendo muito sobre a precarização das políticas de assistência estudantil da nossa universidade, né? Tipo assim, a UFMG é considerada uma das maiores universidades do país, mas mesmo assim, o cenário que a gente vive é de que, enfim, essas políticas hoje são extremamente insuficientes para garantir a permanência do corpo estudantil, assim, como um todo. E quando a gente faz esse debate de assistência estudantil, muita gente esquece sobre como isso engloba o transporte. O auxílio da FUMP hoje inclusive, falamos, debatemos sobre isso na Assembleia Geral também, o auxílio da FUMP hoje é muito baixo. Tipo assim, ele paga a ida e a volta, por exemplo, de um estudante que precisa pegar um ônibus. Se esse ônibus for 4,50, né? Então tipo assim, durante o período que Belo Horizonte ficou com a passagem a 6 reais, o auxílio não cobria a ida e a volta desse estudante. E se o estudante mora na região metropolitana e precisa se deslocar usando o Move metropolitano, ele cobre metade do mês. Então, é isso, sabe? É uma política extremamente importante, mas extremamente insuficiente para a realidade que está colocada para a gente hoje. A passagem do metrô também, por exemplo, aumentou para 5,40. E esse valor extremamente baixo, ele… Enfim, impacta na evasão, sabe? Na permanência das pessoas na universidade. Porque é isso, vai no mais básico que é não ter como se deslocar mesmo para estudar, para acompanhar as aulas. E nem só para isso, né? Porque a gente tem que lembrar que a universidade é muito mais que a sala de aula. Então, para viver a vida universitária, para aproveitar os eventos, etc. E com certeza impacta nos índices de evasão que a gente tem, assim. Ainda mais considerando, por exemplo, que a região da Pampulha é afastada da região central de Belo Horizonte, né? Isso dificulta muito o deslocamento até lá, em especial se você mora na região metropolitana.

Mari também fala como o DCE se mobiliza para atender esses direitos dos alunos:

Mari

“No geral a gente está travando lutas para que haja uma reorganização e uma expansão das políticas de assistência estudantil, das bolsas da FUMP, isso de forma geral, tá? Não só com esse auxílio em específico. A gente coloca, né, e tipo assim, se articula com outros DCEs, se articula com a UNE e com a UEE, que é a União Estadual dos Estudantes também, para que haja um debate nacional também, né, sobre, por exemplo, a recomposição orçamentária das universidades, porque é só assim que a gente vai conseguir de fato avançar nos nossos direitos, para que haja, né, agora a gente conseguiu avançar nessa última semana aqui o PNAES, que era o Programa Nacional de Assistência Estudantil está se tornando lei. Então a gente se posiciona publicamente nesse sentido, no sentido interno, dentro da universidade. A gente cobra por um aumento das bolsas no geral para que haja de fato uma priorização dos recursos da assistência estudantil, sabe? Porque, enfim, a gente sabe que é insuficiente. E no âmbito da cidade a gente está presente assim, tipo há muito tempo nos fóruns que debatem sobre isso. Então a gente articula com movimentos, por exemplo, como o Tarifa Zero, para debater não só o passe livre estudantil, mas de fato em direito da cidade, de fato a Tarifa Zero em Belo Horizonte, com outros DCEs e grêmios para cobrar o meio passe ou o passe livre estudantil. Várias capitais têm, infelizmente não é o caso de Belo Horizonte. Estive inclusive numa audiência pública na Câmara Municipal de BH pelo mandato da Isa Lourença para falar sobre isso, falar da urgência de termos o passe livre em BH. Nos articulamos em toda essa movimentação pro retorno da passagem a valor de 4,50, que para a gente é caro. Enfim, acho que um pouco isso. E claro, sempre convidando as pessoas para essas lutas também. E dentro da UFMG eu também esqueci de falar, mas debatemos sobre a urgência, tipo assim, é urgente que a gente tenha ônibus intercampi.”

A questão da mobilidade dos estudantes e os inúmeros impactos de se morar longe da universidade são assuntos necessários de serem colocados em pauta, não só pela questão do tempo gasto, mas, principalmente, financeira, que pode ser um fator que influencia negativamente na permanência dos estudantes na UFMG.