Uma entrevista com Erick Xakriabá sobre a permanência de estudantes indígenas na universidade

Por Antônio Paiva e Rodolfo Morais

Erick Xakriabá, de 28 anos, é estudante de odontologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Ele entrou no curso em 2019, por meio do Programa de Vagas Suplementares para Estudantes Indígenas, que garante a presença de indígenas territorializados em cursos dentro da universidade.

Essa não é a primeira experiência de Erick Xakriabá dentro da universidade. Ele também é formado em um programa de formação de educadores indígenas, organizado e ministrado pela Faculdade de Educação. Contudo, é a primeira vez que Erick precisa deixar o território para vir morar em Belo Horizonte.

Erick Xakriabá no primeiro Jogos Indígenas  — Foto: Fabrício Potiguara

“Quando eu vim para a Odontologia, senti um baque muito pesado de ter que sair do território, de estar morando em um espaço completamente diferente da minha realidade.”

Erick pertence ao povo indígena Xakriabá,  localizado na região norte de Minas Gerais,  ao lado do Rio São Francisco, no município de São João das Missões. Um território próximo das cidades de Januária e Montes Claros. Os Xacriabás são o maior povo do estado. Cerca de 36 aldeias compõem o povo Xakriabá, que tem uma população estimada de 11 mil indígenas.

O projeto do qual Erik participa tem o objetivo de promover uma troca  ou um intercâmbio cultural. O estudante compartilha parte da cultura indígena e traz ensinamentos sobre as práticas do seu povo para dentro da universidade. Em contrapartida, o conhecimento adquirido por Erick, ao longo do curso, vai ser levado posteriormente para dentro do território, por meio dele mesmo. 

No papel, o projeto parece ótimo – e, na prática, realmente demonstra ter um saldo positivo. Porém, ao longo do caminho percorrido por Erick Xakriabá e por outros estudantes indígenas, há alguns percalços. Na realidade, esse é um trajeto que está sendo construído à medida que os alunos passam por ele e com a ajuda dos próprios estudantes.

“A briga territorial, por educação, não é física mais. Hoje em dia é no conhecimento, na caneta. A gente precisa ter advogado indígena, médico indígena, precisa ter dentista indígena.”

São inúmeros os desafios enfrentados por integrantes de povos originários para vir estudar em um curso da UFMG. Além de se preocupar com a moradia e com recursos financeiros para se manter na capital mineira, eles também precisam vencer as barreiras culturais. 

É preciso se acostumar com a vida em uma cidade urbanizada, muito diferente daquela de quem vivia aldeado. A saudade do território e dos ritos acompanham os alunos ao longo de toda a graduação. Além disso, a formação de um estudante indígena é diferenciada daquela praticada nas escolas tradicionais das cidades, o que faz algumas matérias da graduação ainda mais difíceis. O plano de ensino dos cursos costuma ser pensado de acordo com os conhecimentos ensinados nessas escolas, sem levar em consideração a presença de alunos com outras formações.

Erick Xakriabá no primeiro Jogos Indígenas  — Foto: Rosseline Pataxó

Para Erick Xakriabá é ainda mais difícil. O estudante é casado e possui duas filhas, que permanecem no território. É possível ter uma dimensão da importância delas para o indígena ao ver a palavra “Família” tatuada em suas costas. As relações de Erick com as lideranças indígenas são igualmente fortes. Os conselhos dos mais velhos e mais experientes são levados a sério pelo rapaz. São os líderes que orientam o estudante e o energiza durante a trajetória na universidade.

“Eles trazem essa energia forte para a gente, dá conselhos para a gente continuar. Então isso dá uma energia boa para seguirmos em frente e na luta.”

Encontramos com o Erick Xakriabá na praça de serviços da UFMG. Fomos até um banco, próximo ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB), onde ocorreu a conversa. Consciente do que sua permanência na universidade representa para ele, para o seu povo e para os futuros indígenas que também desejam uma formação superior, Erick nos relatou sobre a sua experiência no programa de Vagas Suplementares e como indígena em uma universidade pública.

Após o fim da conversa, quando caminhávamos em direção à portaria principal da universidade, Erick Xakriabá relembrou o seu primeiro dia no curso de odontologia: ”Na minha primeira aula, eu quis ir embora. Era aula de Biofisica, não tinha visto nada daquilo no território.” Agora, no quinto período, vê como sua permanência foi importante. 

Leia a entrevista com o Erick Xakriabá

Como foi sua vinda para a UFMG?

E: O vínculo na universidade começou em 2015. Atualmente, eu sou formado em licenciatura, como professor indígena. Então, eu fiz parte do FIEI, que é um programa que se chama Formação Intercultural para Educadores Indígenas, e faz parte da Faculdade de Educação. Nessa época, eu fiz esse curso de licenciatura, na área de Ciências da Vida e da Natureza. Eu comecei em 2015 e, em 2019, me formei nessa área. Eu tive um vínculo na escola por cerca de cinco anos. Trabalhei no administrativo lá no meu território, Xakriabá, e também como professor no ensino médio, trabalhei um tempo como professor. E nesse meio tempo, eu passei no vestibular para Odontologia aqui na UFMG. Quando estava perto de formar, eu fiz a prova e passei. Então, eu já sabia que quando eu me formasse em licenciatura, eu já ia entrar na Odontologia, que é uma área diferente, mas que, também, iria beneficiar o meu povo, de dar um bom retorno também. 

Como foi essa escolha de fazer Odontologia? 

E: Na verdade, sempre tive vontade de fazer o curso de Odontologia, mas na época que entrei no FIEI, esse curso estava parado. O programa Vagas Suplementares acrescenta  duas vagas em cada curso. São cerca de dez cursos  – inclusive, odontologia. O programa parou durante um tempo. Em 2018, eles abriram novamente, quando me inscrevi e fiz a prova para entrar no ano seguinte. É uma porta de entrada para nós, indígenas, na universidade, um programa voltado para indígenas aldeados. É para você vir estudar e dar um retorno para o seu povo. Na Odontologia, já temos dois formados que atuam no território. Mas tem mais polos, são cerca de dez. Então, a gente precisa estar ocupando esses outros espaços, ser conhecedor dessas outras áreas. E, como a gente também conhece o nosso próprio povo, como lidar com as situações, acho que a gente vai um pouquinho mais preparado para ocupar, para dar um retorno melhor, um atendimento melhor também.

Como foi esse primeiro momento dentro da universidade e aqui em Belo Horizonte?

E: Eu tive um pequeno contato aqui em Belo Horizonte. No FIEI, a gente ficava um mês e uma semana na cidade, duas vezes no ano. A maior parte do tempo, ficava no território, na aldeia. Quando eu vim para a Odontologia, senti um baque muito pesado de ter que sair do território, de estar morando em um espaço completamente diferente da minha realidade.

Erick Xakriabá realizando atendimento de odontopediatria — Foto: Redes Sociais

E como era a sua rotina na Odontologia? 

E: Na Odontologia, foi um baque muito grande ter essa rotina pesada de estudos. Era o dia inteiro, de 8h às 17h ou às 18h. Todo o dia. E eram matérias que eu não tinha domínio. Não viemos com a preparação pedagógica de um Ensino Médio. Não é que a escola indígena não te prepare, mas é um ensino diferenciado. Quando a gente chega aqui, sofremos um pouquinho com isso. Os professores não entendem. Normalmente, nem sabem que há indígenas na sala. Se a gente não se autoafirmar, os professores não são avisados que terão indígenas na turma e muitas das vezes, não sabem lidar com isso. Essa preparação não acontece.

Você já sentiu alguma mudança? Os professores já estão mais conscientes dessa presença indígena e conseguem se preparar melhor ou ainda não?

E: Houve uma leve mudança. Como os professores foram nos descobrindo e a gente se autoafirmando, essas coisas repercutiram. Agora, o professor já sabe que há indígenas. E isso vem tendo uma repercussão, ou seja, um reconhecimento maior. Alguns já sabem que está entrando indígena por esse programa, já tem uma preparação melhor. Mas não é preparação de fato. 

Então você sentiu que houve essa abertura para trazer seus conhecimentos para dentro da universidade? 

E: Sim. Na minha turma, por exemplo, todo mundo sabe que eu sou indígena. Então, essas perguntas aparecem e eu acho bacana. Quando o professor gosta da presença indígena, ele pergunta sobre de que povo somos e sobre nossa cultura.

Alguns professores já falaram que gostaram de conhecer o artesanato do meu povo. Então, eu acho muito bacana esse novo olhar para o indígena nesses espaços.

Mas eu não acho que é uma abertura, de fato. Na sala de aula, não discutimos praticamente nenhum conteúdo sobre populações indígenas. É muito raro ter esse assunto em sala de aula. Alguns professores da área de saúde coletiva, por exemplo, já citaram, já perguntaram algumas coisas, mas não houve debate na turma. Seria bacana essa discussão. 

Vocês moram na moradia da UFMG?

E: A gente mora numa casa onde só moram estudantes indígenas atualmente, no bairro Planalto. Ela é gerida por nós mesmo. A UFMG, em 2010, lançou o programa e deu essa casa para os estudantes que vieram ocupar e morar aqui. E deu certo. Essa casa funciona até hoje. Só que ela não dá conta de todo mundo. Agora, também têm estudantes na moradia e outros estudantes ainda estão em um hotel. Mas estamos nos organizando. Atualmente, vem crescendo a briga por uma moradia específica para estudantes indígenas. A gente quer ficar junto, quer ter a nossa aldeia aqui dentro da cidade, porque o convívio é diferente também. Temos culturas diferentes entre os povos, mas conseguimos lidar melhor um com o outro. Muitas das vezes, sofremos muito preconceito. Eu já sofri muito preconceito na universidade, ou até fora, em passeios ao museu e ao zoológico.

Você pode contar algum caso para a gente?

E: Uma vez fomos visitar o zoológico e estávamos caracterizados, de cocar e pintados. Só que estávamos de tênis e bermuda. Havia um grupo de escolas visitando o zoológico também. Estávamos passando e a criança falou: “Olha professora, você não falou que os indígenas estavam em extinção? Olha os índios lá”. Outra criança falou: “Olha, ele é metade índio e metade humano”. Porque estava de bermuda. Você imagina, como é que vamos lidar com essas situações? São fatos e tem vários outros fatos que vem acontecendo. 

 Como vocês se organizam na moradia indígena e como é o cotidiano lá dentro?

E: É como se fosse uma reunião diária. Lá tem povo Xakriabá (leiam informações no início da reportagem), Kaxixó, Pankararu, Tupiniquim. Uma coisa que é feita lá no meu território, no povo Kaxixó é feita diferente, a gente troca essa experiência entre povos, essa vivência com outros indígenas. Eu, da área da saúde, e outro colega, também da área da saúde, debatemos como vamos aplicar os conhecimentos nos territórios. E gera uma discussão muito mais rica do que na própria sala de aula. Então, é muito bacana ter isso.

Erick Xakriabá e crianças no território indígena — Foto: Redes Sociais

Há uma conexão entre o conteúdo aprendido na sala de aula e a realidade de vocês dentro do território?

E: Depende muito. A Odontologia é uma área muito específica, você tem que levar praticamente tudo do jeito que você aprendeu. Claro que, como nossos mais velhos falam, você tem que filtrar o conhecimento que você adquire lá fora para levar para o território. Filtrar é tirar as coisas boas que podem ser aplicadas lá dentro e trabalhadas de forma diferente, trabalhar esse conhecimento. Um relato disso é uma intervenção que fiz na escola lá do território, voltado à saúde bucal. Eu trabalhei com crianças de oito e nove anos e perguntei para eles como achavam que era o dente e para que servia. Fiz o desenho no quadro, levei o barro para  fazerem o modelo de dente. Levei frutas para simular como o alimento gruda no dente. Levei também biscoito e bala, para eles saberem qual é o alimento mais saudável. Ou seja, eu trabalhei de forma diferente. O barro é uma coisa que a gente usa para fazer o nosso artesanato. As frutas são tradicionais, que as crianças pegam no dia a dia, nas árvores e nas fruteiras. 

Como é o seu contato com os outros Xakriabás que vieram para cá? Você já os conhecia?

E: A maioria eu já conhecia antes. Só que aqui a gente convive muito mais, então esse laço fortalece mais ainda. Quando eu cheguei, não tinha quase Xakriabá. Na verdade, não tem na odontologia. Eu me perguntava como iria fazer. Ninguém me orientava. Quando há alguém que conhecemos, do nosso próprio povo, dá uma força maior. Quando cheguei, havia uma pessoa na enfermagem que era Xakriabá. Eu morava com ela na casa indígena. Mesmo que não era da minha área, quando eu estava em casa, ela me fortalecia. É como um incentivo. Quando nós, Xakriabás, sentamos para discutir sobre a saúde, os conteúdos que aprendemos aqui, já pensamos em como aplicaremos no território. É uma preparação.

Quais são as curiosidades dos estudantes que estão no território e querem vir para cá? 

E: Atualmente, a gente não fica muito tempo lá, não consegue discutir muito isso. Mas, as perguntas são sobre permanência. É uma coisa que foi discutida entre nós estudantes Xakriabás: reunir grupos e irmos a uma escola do ensino médio falar sobre a nossa permanência. Discutir questões da universidade, levar os conhecimentos que a gente adquire aqui, as vivências, para os meninos terem mais incentivo em buscar a universidade. Muitas pessoas não vêm por medo do que vão passar aqui fora, tem muito medo de não dar conta e voltar para a casa e perder tempo. Dar esse incentivo é uma forma de lutar. Quando fazemos questão de brigar pela moradia, alimentação e bolsa, queremos que os próximos estudantes não passem por essas mesmas dificuldades. Queremos a ampliação  das áreas, dos cursos e de mais indígenas.

 A  universidade abre a vaga, mas e a permanência? Não é discutida. Vamos abrir a vaga. E aí? Cadê a política de permanência para esse indígena ficar de fato no curso? Já houve muita desistência por conta disso. Quando a gente fala que consegue ter bolsa, participar de alguns projetos, se organizar entre nós mesmo para essas lutas, é muito bacana. 

Outra coisa, a universidade não abriu essas vagas de mão beijada. Foi uma luta das nossas lideranças para termos indígenas nesses espaços. É falado no território que a briga vai mudar, está mudando, mudou. A briga territorial, por educação, não é física mais. Hoje em dia é no conhecimento, na caneta. A gente precisa ter advogado indígena, médico indígena, precisa ter dentista indígena. Hoje em dia, temos a Célia Xakriabá. São espaços que estão sendo ocupados por conta dessa briga. Célia veio da escola indígena, veio de uma escola diferenciada. Hoje, ela é uma deputada federal. O ensino não é ruim, o ensino é diferenciado. A universidade precisa enxergar esse ensino diferenciado, não ver o indígena como inferior e, sim, ver como uma pessoa que dá conta, que consegue fazer uma troca de experiência bacana.

Quais programas de auxílio a universidade disponibiliza para quem vem do território?

E: Tem a bolsa permanência, que é um programa do MEC, repassado pelas faculdades aos estudantes indígenas. Além disso, temos a FUMP, que, junto com a PRAE, consegue dar esse apoio para a gente. Temos a moradia. Muitas vezes, os estudantes que vieram depois não conseguiram acessar a bolsa permanência e precisaram acessar por meio da FUMP. A gente está sempre em reunião com essas instituições, para não ficarmos prejudicados, não chegarmos aqui e não termos dinheiro para vir à faculdade, não poder comer fim de semana. E os produtos de higiene pessoal? E a passagem? Tem várias coisas. Então existem esses auxílios que nos ajudam. Porém não são políticas fixas ainda. Não é uma coisa segura. Todo ano a gente tem que brigar.

Existe mais alguma ação promovida pela UFMG que auxilia nessa permanência?

E: Eu também faço parte do PET Indígena atualmente, um programa de educação tutorial que nos auxilia a ter essa troca de conhecimento, ou seja, eu levar um pouco do conhecimento que eu adquiri na faculdade para o território e também trazer do território, juntar esses dois conhecimentos, trabalhando os dois em conjunto. Esse é um papel do PET Indígena. E também nos prepara enquanto profissional, enquanto pessoas que buscam lutar pelo bem do território. Faço parte do projeto Humanização, dentro da universidade, que é mais voltado na área da Odontologia, da humanização do atendimento. E também sou representante dos estudantes indígenas na Odontologia.

Estudantes indígenas no primeiro Jogos Indígenas — Foto: Rosseline Pataxó

Quais as principais reivindicações de vocês atualmente?

E: A principal é a moradia indígena. Ter auxílios fixos, para não ficarmos imaginando se vamos receber ou não, quando chegamos à universidade. A briga é que esses auxílios permaneçam com garantias, segurança. Quem chegar já vai receber um auxílio melhor, para permanecer no curso.

E outras questões, como o lazer?

E: A gente consegue se organizar e fazer iniciativas como estamos fazendo agora, os jogos indígenas. São projetos que colocamos todo mundo junto, interagindo, mesmo não indígenas, para conhecer. Faz parte do nosso lazer, de nos sentirmos em casa e lembrarmos a nossa cultura. Muitas das vezes, a faculdade faz com que a gente se apague. Esses momentos são para reavivar a gente, fortalecer um pouco mais, mostrar a nossa cultura. A gente fica mais feliz. Também há outros processos: fazemos rituais, todo mundo canta, cada povo faz o seu canto. Esses momentos são os nossos momentos de lazer.

O que você sente mais falta?

E: O ritual é uma questão forte mesmo dentro do território. Quando a gente faz, sentimos uma energia muito grande, muito mais forte. Dá uma saudade de estarmos no território, ir no pajé, ir na casa dele, nem que seja para ter uma conversa mesmo. Ele passa muitos ensinamentos, muitos conselhos. Quando estou no meu período de férias, vou na casa dele conversar. Volto mais energizado, com uma energia muito mais forte, muito melhor. Eu tenho família no território. Duas filhas. São coisas que deixam a gente um pouco mais pesado de estar aqui. Faz muita falta minha esposa, minha família, meu território. Estar no território é muito bom. Estar aqui é um pouco complicado. É bom porque estamos buscando melhorias, mas não é fácil, não é fácil estar longe.

Erick Xakriabá no primeiro Jogos Indígenas  — Foto: Fabrício Potiguara

Você consegue conversar frequentemente com as pessoas do território? 

E: Hoje a gente consegue ter um diálogo melhor por conta das tecnologias. Temos internet no território, via rádio. É precária, mas conseguimos conversar sempre. Muitas das vezes essa falta de território é suprida quando a nossa liderança vem aqui. Vem tanto a nossa liderança quanto o cacique, liderança da aldeia. Eles trazem essa energia forte para a gente, dá conselhos para a gente continuar. Então isso dá uma energia boa para seguirmos em frente e na luta.

Você falou que já viu alguns indígenas que não conseguiram permanecer. Como foi para vocês?

E: Tem dois indígenas que eram da enfermagem. Eles passaram na época da pandemia e não conseguiram ter o contato aqui dentro da universidade, de ter que vir ficar mesmo. Eles estavam tendo aula online. As dificuldades chegaram antes deles conviverem aqui. Durante a pandemia tiveram muitas aulas online. Essa questão dificultou muito para a gente. Também dá um desânimo o estudante não ter esse contato com a sua turma, com o seu professor, com a sua área de fato. Essa questão do ensino remoto é muito ruim. Isso foi um dos fatos que fizeram eles desistirem.

Algo que você queria destacar, algo que é importante para essa permanência?

E: A permanência para nós é uma coisa muito discutida. O indígena permanecer na universidade hoje é garantir que os próximos possam vir também. Quando um indígena desiste é uma perda grande não só para ele, mas para o seu povo. Eu estou aqui representando o meu povo, onze mil indígenas. Se eu desistir, meu povo vai perder. É um retorno que vai ser dado para o meu território, para as futuras gerações.


Formação Intercultural para Educadores Indígenas

Criado em 2009, na Faculdade de Educação da UFMG, o Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas (FIEI) é direcionado para a formação e habilitação de professores indígenas, em caráter de licenciatura plena. O curso, como diz o nome, prioriza uma formação intercultural para que indígenas lecionem nos últimos anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Os alunos e alunas podem escolher uma das quatro áreas de habilitações ofertadas: Línguas, Artes e Literaturas; Matemática; Ciências da Vida e da Natureza; e Ciências Sociais e Humanidades. 

O percurso curricular acontece por meio de atividades, tanto na UFMG quanto nos territórios indígenas, e tem como referência a realidade dos povos indígenas e da educação escolar indígena no país, em fatores como as políticas públicas existentes e a implantação de escolas indígenas específicas, interculturais e bilíngues.

Retome a leitura da entrevista


Vagas Suplementares para Estudantes Indígenas

O Programa de Vagas Suplementar para Estudantes Indígenas foi criado em 2010. Inicialmente, duas vagas dos cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia, Ciências Biológicas, Ciências Sociais e Ciências Agrárias foram destinadas à população indígena. Os cursos escolhidos vieram de demandas dos indígenas e, no primeiro ano, selecionaram doze estudantes no processo seletivo.

Lívia de Errico, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG e coordenadora do PET Indígena, conta que a criação do programa de Vagas Suplementares foi um processo que iniciou-se em 2006, com o movimento das lideranças indígenas e professores da Formação Intercultural em Educação Indígena. A primeira etapa foi fazer um levantamento com as demandas dos povos indígenas de Minas Gerais, pensando nas necessidades de vagas no ensino superior. Para isso, visitas às comunidades foram feitas para falar o que eram os cursos de ensino superior e a possibilidade de jovens indígenas ingressarem na universidade.

O programa durou até 2014 como uma experiência piloto, sendo restituído em 2018. O processo seletivo de 2019, o primeiro depois da pausa, contava com duas vagas suplementares e mais quatro cursos: Antropologia, Direito, Engenharia Ambiental e Engenharia Florestal. “A demanda de incluir mais quatro cursos partiu dos indígenas, mas principalmente do desejo desses cursos terem nos seus quadros os estudantes indígenas”, explica Lívia. Ela comenta que é preciso que os cursos assinem um termo de adesão se comprometendo para a criação de duas vagas e a indicação de um tutor que irá acompanhar os discentes indígenas durante a graduação. “Além de fazer o processo seletivo específico, o programa acompanha esses estudantes durante todo o curso, fazendo um trabalho junto aos tutores e também na negociação de políticas e de organização de uma rede de assistência ao estudante indígena.”

Lívia também fala da necessidade de aumentar o número de vagas e de cursos participantes do programa. Porém, um limitador são os recursos financeiros da universidade, pois também é preciso um programa de políticas que garantam a permanência desses estudantes.

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Bolsa permanência do MEC

A Bolsa permanência do Ministério da Educação (MEC) é uma política pública que consiste em um auxílio financeiro aos estudantes quilombolas, indígenas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica matriculados em instituições financeiras de ensino superior. O objetivo é viabilizar a permanência desses alunos, reduzir a evasão estudantil e promover a democratização do acesso ao ensino superior.

Discentes indígenas e quilombolas recebem o valor de R$900 e os demais R$400, que dura toda a graduação, e pode se estender por mais seis meses após o fim da graduação. Para conseguir o auxílio, estudantes indígenas e quilombolas precisam de uma autodeclaração, uma declaração de residência e uma declaração da Funai ou da Fundação Palmares.

No entanto, o valor não sofre alterações desde a criação da bolsa, em 2013. Bruna Bronoski, em matéria para Agência Pública de 30 de maio de 2022, mostra que, seguindo os reajustes no ritmo da inflação, a bolsa pagaria hoje R$1.555,70, de acordo com a calculadora do IPCA do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Além disso, a reportagem mostra que o número de bolsas vem caindo desde 2017. Neste ano, 24 mil alunos foram beneficiados, enquanto 10.785 recebem o auxílio atualmente. Durante a pandemia, o MEC suspendeu o auxílio, voltando apenas em 2022, quando ofereceu 2 mil bolsas para uma lista de mais de 5 mil discentes que poderiam e precisam da Bolsa permanência. Assim, a cada dez alunos de populações indígenas e quilombolas que solicitam o auxílio, seis têm seus pedidos negados.

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FUMP

Controlada pela UFMG, a  Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) é uma instituição sem fins lucrativos. Seu objetivo é prestar assistência estudantil aos alunos de baixa condição socioeconômica da universidade.

Os Programas de Assistência Estudantil desenvolvidos pela Fundação  são realizados por meio de recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) do Governo Federal e também por doações de pessoas jurídicas e físicas, uma vez que os recursos governamentais não são suficientes para atender todas as demandas.

As ações da Fump buscam viabilizar a igualdade de oportunidades para todos os estudantes. Assim, as iniciativas promovem o acesso à alimentação, saúde, moradia, transporte, aquisição de material escolar e outros projetos que auxiliam alunas e alunos a terem um bom desempenho acadêmico, reduzindo a evasão na Universidade.

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PRAE

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) foi criada em novembro de 2014, com o compromisso de garantir a permanência e o percurso acadêmico de estudantes na UFMG, por meio da elaboração, coordenação e avaliação de políticas que garantam a igualdade de oportunidades e a equidade de direitos dentro da universidade. Sua atuação se dá em três eixos: execução de um programa de ações afirmativas; execução de um programa de assistência estudantil, em parceria com a FUMP; e apoio ao desenvolvimento de projetos acadêmicos por estudantes.

Além disso, pensando na equidade de direitos dentro da comunidade estudantil, a PRAE promove ações, em parceria com o DCE e a Ouvidoria da UFMG, de combate ao preconceito e às opressões de qualquer natureza.

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Kaxixó

O grupo indígena Kaxixó está localizado em Minas Gerais, especialmente na Aldeia Capão do Zezinho, no município de Martinho de Campos,  região centro-oeste do estado, na margem esquerda do Rio Pará. Dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) de 2014 mostram que existem 301 membros desse povo. O grupo só foi reconhecido em dezembro de 2001 pela Funai, depois de quinze anos lutando por seu reconhecimento.

Pankararu

Os Pankararu estão localizados nos estados de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo, contando com 8184 pessoas, segundo informações do SIASI de 2014. Em Minas, estão localizados no Vale do Jequitinhonha e, em São Paulo, se encontram na capital, na favela do Real Parque, zona sul da cidade. A Terra Indígena Pankararu foi homologada em 1987 e está localizada entre os atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão pernambucano, próximo ao rio São Francisco.

Tupiniquim

O povo indígena Tupiniquim encontra-se no Espírito Santo. Com 2901 membros, segundo o SIASI de 2014, habitam três Terras Indígenas no norte do estado: TI Tupiniquim, TI Caieiras Velhas II e TI Comboios. Todas situam-se no município de Aracruz.

PET Indígena

O Programa de Educação Tutorial Indígena (PET Indígena) da UFMG foi criado em 2010 com o compromisso de auxiliar estudantes indígenas a se organizarem enquanto coletivo dentro da universidade. A ideia é que esses e essas estudantes busquem refletir sobre as questões relacionadas ao aprendizado e permanência na UFMG. “É um trabalho complexo, de negociação e de diálogo. Tentamos fazer atividades que tragam a compreensão de como o conhecimento científico pode se articular com os saberes tradicionais e os saberes originários”, afirma Lívia de Errico, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG e coordenadora do PET Indígena. Dessa forma, o trabalho também busca articular o espaço da UFMG com a terra indígena do estudante nessa proposta de produção e interlocução de saberes.

Outra iniciativa do programa é a construção da força coletiva entre as(os) estudantes indígenas no campus, por meio do Territorializa UFMG. “Nós trabalhamos com a ideia de que o território indígena e o território corpo é onde ele está. É discussão da ação indígena dentro da UFMG e dentro do ensino superior”, explica Livia.