Estudantes relatam suas experiências (positivas ou nem tanto) em moradias compartilhadas

Reportagem: Davi Alfeu e João Alves; Edição: Diogo Borges e Douglas Herculano

O bairro da Liberdade nasceu quase que junto à UFMG: surgiu pouco depois da desapropriação de parte de uma fazenda da região para a construção do campus universitário em meados dos anos 1940. Não é de se espantar, então, que o bairro tenha se tornado a casa de muitos estudantes que ingressaram na faculdade. Porém, como nem todos possuem os recursos para bancar uma moradia por conta própria (ainda mais em um local conhecido por seus altos preços, como é a região da Pampulha), muitos optam por dividir uma casa ou apartamento com outros alunos ou até mesmo ingressar em uma república, muito presentes no Liberdade. Por outro lado, a experiência de morar com “desconhecidos” nem sempre é um mar de rosas.

Vista aérea do campus Pampulha, com o bairro Liberdade no canto superior direito. Foto: Foca Lisboa / UFMG
Vista aérea do campus Pampulha, com o bairro Liberdade no canto superior direito. Foto: Foca Lisboa / UFMG

Kecin Jhones

Kecin Jhones, 25, cursa ciências contábeis na UFMG e fala que o tempo que passou morando em uma república foi desafiador. “Foi uma experiência muito diferente, conviver com pessoas com hábitos e costumes variados”. Ao ser questionado sobre como ele e os outros moradores tomaram a decisão de dividir uma residência, relata: “Cada um chegou em um momento com sua história particular. No meu caso, como uma pessoa LGBT, me vi obrigado a ir morar em uma república já que a minha casa não era mais um ambiente saudável”.

Também diz que havia sempre desacordos sobre formas de fazer as tarefas domésticas ou horários para utilizar os espaços em comum da casa. “Todo mundo precisava se arrumar para sair ao mesmo tempo. Era sempre uma briga para quem iria usar o banheiro primeiro”, conta o estudante. Ele diz que até tentou contornar a situação, mas que  logo se tornou insustentável e que ele logo quis arranjar um local próprio. “Para ter paz, não precisar compartilhar nada. Ter a liberdade de fazer o que quiser, quando quiser”, afirma.

Isabel Gonçalves

Isabel Gonçalves começou a dividir um apartamento recentemente: irão fazer dez meses neste . Originalmente de Contagem, ela conta que se mudou para o bairro Liberdade por uma questão de comodidade: “Para ficar mais fácil, eu mudei para a perto da faculdade. Então não foi uma necessidade que eu tive de primeira”. Conta a estudante, que está no quinto período de jornalismo.

Apesar de relativamente pouco tempo de convivência, Isabel já passou por algumas situações inusitadas, como ficar trancada dentro do próprio apartamento. “Alguém saiu e levou a minha chave, então eu fiquei presa dentro de casa. Normalmente a gente fica preso fora, né?”, ela conta em meio a risadas.

“A maior dificuldade encontrada ao dividir uma casa com estranhos, no meu caso, foi de fato, dividir. Porque eu fui filha única até meus 15 anos, então sempre tive meu espaço”, conta. Outro fator que ela cita é entender que “cada um tem seu espaço”, e ela não se refere apenas ao espaço físico. “Cada um vai fazer uma coisa diferente ao mesmo tempo e tá tudo bem, sabe? Você não precisa estar interagindo a todo momento, como é com a família”, e acrescenta: “Vocês podem comer uma do lado da outra e não falar uma palavra e tá tudo bem também, cada um vive num mundo”.

Helena Almeida

Estudante de Letras de 22 anos, Helena agora já mora sozinha. Ela conta que, inicialmente, buscava uma maior independência ao sair de casa, já que morar com a sua família “nem sempre foi fácil”. Apesar disso, ao se instalar em uma residência compartilhada com outra colega, Helena percebeu que a convivência ali também não seria fácil. “Ao decorrer do tempo as coisas foram piorando, sempre um clima de muita tensão, hostilidade e falta de comunicação”, relata a estudante.

Os problemas eram diversos, mas a falta de higiene era um dos mais graves, revela. “A pessoa que morava comigo constantemente deixava as louças sujas, o banheiro sujo, farelos de pão espalhados pela casa e se recusava a limpar. Eu tinha que limpar tudo sozinha para não ficar na sujeira”. Ela conta, ainda, que o descaso não se limitava apenas aos ambientes que elas compartilhavam: “Já cheguei a encontrar baratas mortas na cama que a pessoa dormia. Também via ela reutilizando louças e roupas sujas.”

“Inicialmente tentei contornar através de conversas, deixava recados, mandava mensagens, mas sempre fui ignorada”. Fala que ao chegar ao seu limite, a estudante resolveu se mudar após uma discussão séria com a sua colega de casa. Disse que o maior desafio em morar com pessoas com quem não se tem costume é “a grande dificuldade de se relacionar com as pessoas desconhecidas, hábitos diferentes e costumes diferentes”.

Taffarel Moreira

Já Taffarel, 29, que  mora em repúblicas desde 2017, quando veio cursar Cinema de Animação na UFMG, descreve sua experiência como “excelente” (ainda que com algumas ressalvas). “Conheço pessoas de todo lugar do Brasil, que se mudam para cá por conta de faculdade ou cursos, e [isso] destaca bastante a mentalidade e papos diferentes. Aqui eu construí muitas amizades que posso dizer que vou levar para o resto da vida. Meus melhores amigos moram comigo.”

Apesar disso, ele se lembra de algumas ocasiões “horríveis”. A primeira foi quando a proprietária da república que fazia parte resolveu alugar os quartos de todos os moradores que estavam viajando, sem avisá-los. Taffarel aproveita e faz um aviso a quem estiver procurando república: “Nem todos donos de repúblicas são amigáveis. Para eles isso é só um negócio, e muitas vezes eles não se importam com você, mas somente com o lucro”.

O segundo e terceiro casos são parecidos. Dois moradores que não eram estudantes e ninguém sabia o histórico “Um era um senhor simpático de 50 a 60 anos que começou a incomodar os outros habitantes ao levar garotas de programa para a moradia alegando serem suas sobrinhas. Posteriormente, descobriram que ele havia saído recentemente da prisão. “Alegou que foi uma prisão injusta. Disse que uma garota de programa pediu a ele para enforcá-la durante o ato sexual, mas na hora ele não mediu a força e ela acabou morrendo.” O outro era um advogado que tinha como hábito furtar comida da geladeira e outros objetos espalhados pela casa. “Todos sabiam que era ele, mas ficavam com medo de falar algo”, relata Taffarel

Por outro lado, ele ainda considera que as vantagens sobressaem os acontecimentos esporádicos. “Geralmente nas repúblicas o preço do aluguel já vem incluso aos gastos da luz, água, internet e o gás. Fora que os ambientes da república já são mobiliados”, conta. Porém, ele já tem planos de conseguir um lugar próprio no futuro: “Eu ainda continuo morando [em uma república], mas estou refletindo sobre sair quando conseguir um emprego melhor. Quero começar a juntar dinheiro e comprar um terreno”.

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