A classificação do bairro em um nível econômico médio-alto tem impacto no cotidiano de seus universitários residentes?

Reportagem: Fernanda Ribeiro; Edição: Diogo Borges e Douglas Herculano. 

Ao se falar dos bairros para morar no entorno do campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais, um deles rapidamente vem à mente dos estudantes: o Ouro Preto. Localizado nas regiões Noroeste, da Pampulha, e a leste da Universidade, o bairro teve um processo de ocupação relativamente recente, e hoje está sujeito a um aumento da densidade populacional e, também, do custo de vida. Os estudantes da UFMG que moram no bairro se inserem em formatos diversos: alugam apartamentos independentes, quartos individuais, vivem em repúblicas. Além disso, cabe destacar as Moradias Universitárias I, II e III da Universidade Federal de Minas Gerais que se localizam no bairro, na Avenida Fleming, e estão sob administração da Fundação Mendes Pimentel. 

Nesse sentido, um número considerável de estudantes se insere nas dinâmicas do bairro, como frequentadores, consumidores, e parte da comunidade local. Porém, o poder econômico desse grupo não é o mesmo da média do bairro: segundo Pesquisa do Mercado Imobiliário (2018) do IPEAD, o Ouro Preto é classificado atualmente como de classe média alta, e a renda mensal de seus domicílios é estipulada entre 8,5 e 14,5 salários mínimos. Já ao observar-se a renda mensal das famílias dos estudantes da UFMG, segundo dados do Instituto de Estatística PROGRAD-UFMG de 2018, a maioria dos estudantes advém de famílias cuja média salarial é entre 2 e 5 salários mínimos (35,7%) e entre 5 e 10 salários mínimos (22,8%). Por isso, há uma aparente contradição entre a realidade dos universitários residentes e a do bairro, em desfavor dos primeiros. Tendo essa relação em vista, procuramos investigar e esboçar, nesta reportagem, como os preços médios de produtos e bens de consumo no bairro impactam o acesso de alguns desses residentes ao comércio do bairro. 

Moradia Universitária da UFMG no Ouro Preto. Por Lucas Braga/UFMG.

Supermercados: no bairro, a cesta básica segue média de Belo Horizonte

Localização dos três principais supermercados do bairro Ouro Preto. Retirado do Google Maps.

Os três principais supermercados do Ouro Preto são o Hipermercado Carrefour (localizado na Avenida Presidente Carlos Luz, 4055), o Supernosso (Avenida Fleming, 650), e uma unidade do EPA (na Rua Monteiro Lobato, 488). Entre os três supermercados, há uma considerável variação nos preços de itens da cesta básica, mas apenas um deles tem preços acima da média em relação aos demais em Belo Horizonte. Segundo o IPEAD, a cesta básica em agosto de 2023 tem valor médio de R$678,35. Em pesquisa realizada nos supermercados, observa-se que a cesta básica no Carrefour tem valor mínimo de R$628,99; no EPA, esse valor é de R$523,40; mas, no Supernosso, ele chega a R$823,09.

Ainda assim, devido aos valores altos do bairro e da capital, especialmente em relação às outras cidades do estado mineiro, os estudantes da UFMG que residem no bairro são impactados por esses. Por isso, eles procuram alternativas de melhor custo-benefício. Um dos exemplos é o de Joyce, de 22 anos, estudante de jornalismo e natural de Sete Lagoas. Ela, que reside na Moradia da UFMG do Ouro Preto, sob administração da FUMP, conta que prefere se deslocar até um dos bairros vizinhos, o Santa Terezinha, para realizar suas compras. “Só se for algo de extrema urgência, que eu compro no bairro; se for algo que pode esperar, eu vou até o Santa Terezinha, nos Supermercados BH, e pego”. Nesse deslocamento, Joyce ressalta também outra dificuldade para realização de suas compras: a necessidade de pagar pelo deslocamento até esse bairro. 

Dentre os produtos da cesta básica, composta por 13 produtos, pode-se observar que a banana e o tomate são, no Carrefour, os com maior variação em relação à média da capital; no Supernosso, o valor da carne tem destaque. Já no EPA, a maioria dos preços é semelhante (e por vezes menor que) à média belo-horizontina. Além disso, o óleo de soja, o café e a farinha de trigo não apresentam diferenças consideráveis em nenhum dos supermercados.

ProdutoQuantidadeCusto (cesta básica média)SupernossoEPACarrefour
Tomate9 kgR$ 61,7380,9149,3280,91
Feijão carioquinha4,5 kgR$ 34,1926,9522,4125,60
Batata inglesa6 kgR$ 29,3817,948,8817,88
Chã de dentro6 kgR$ 218,32359,4196,80225,49
Farinha de trigo1.5 kgR$ 8,576,737,477,48
Açúcar Cristal3 kgR$ 10,3413,1910,1811,67
Óleo de soja1 unidadeR$ 5,615,395,685,39
Leite Pasteurizado7.5 litrosR$ 50,929,1728,3532,17
Café moído0,6 kgR$ 17,715,7814,3716,54
Arroz3 kgR$15,1617,3913,6815,45
Manteiga750 grR$ 42,5234,4829,734,48
Pão francês6 kgR$ 115,36119,8876,8071,94
Banana12 kgR$ 68,5795,8859,7683,88
Total:R$ 678,35R$ 823,09R$ 523,4R$ 628,88
Pesquisa realizada pela equipe in loco em 29 de setembro de 2023 (dados da cesta básica foram divulgados pelo IPEAD em agosto de 2023). 

Padarias, lazer e saúde: outras facetas do consumo no Ouro Preto

Em uma primeira observação do bairro, surpreende-se com o grande número de atividades culturais disponíveis, especialmente na Avenida Fleming. A avenida, que liga o bairro Ouro Preto à Lagoa da Pampulha, é conhecida como importante corredor gastronômico e polo de bares em Belo Horizonte. Apesar disso, a percepção de custo dos comércios ali estabelecidos é um impedimento ao acesso dos universitários ao espaço. 

A Fleming, nesse sentido, é exemplo dos diversos espaços culturais que não contemplam os estudantes. Por conta dos altos custos de consumação nesses espaços, eles reclamam da falta de atividades de lazer que não envolvam se restrinjam à Lagoa da Pampulha. Denis, 26 anos, é estudante de Engenharia de Minas e veio de Teófilo Otoni para fazer o curso na UFMG. Morador do Ouro Preto há mais de um ano, ele ressalta:  “Tem muitas opções (de lazer) aqui no bairro mesmo, porém são de custo mais elevado. Coisas mais voltadas pra classe média alta. […] o bairro é um pouco elitizado.” Ainda que existam alguns restaurantes e pizzarias por um preço mais acessível – achados depois de uma exploração do bairro pelos estudantes – esses espaços são a exceção, não a norma. Elen, 20, é estudante de jornalismo e ex-moradora do Ouro Preto. Com frequência, ela consumia em bares, sorveterias e pizzarias no bairro, como na Prazeres da Pizza (Rua Monteiro Lobato, 46), cuja variação de preços se dá entre R$30,00 (pizza broto doce) e R$75,00 (pizza montada gigante). Ainda assim, a universitária conta que “[…] na maioria das vezes, eu escolhia algo mais barato abrindo mão da qualidade, porque os produtos de qualidade eram absurdamente caros”.

Em relação a comércios de outras classes, aspectos positivos e negativos podem ser analisados. Para aqueles que procuram a prática de atividades físicas em academias, a variedade é um ponto positivo, e os preços são considerados um atrativo. Denis ressalta que o grande número de academias disponíveis lhe permitiu trocar entre as empresas do bairro, em busca de um melhor custo-benefício. Hoje, ele utiliza a academia da rede Pratique (Rua Monteiro Lobato, 167), cujo pacote mínimo tem valor de R$129,90 mensais. Em relação às barbearias, ele diz também haver uma grande disponibilidade de opções. Entretanto, tanto o estudante quanto Joyce ressaltam os altos preços das padarias “[…] ou são muito caras, ou têm até um preço bom, porém a qualidade não é lá essas coisas.”, diz Denis. 

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