Por Cecília Amaral; edição: Maria Eduarda Castro e Matheus Almeida
Todos os semestres a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebe estudantes estrangeiros por meio de parcerias envolvendo programas de intercâmbio que possui com as mais diversas universidades do mundo. Muitos dos graduandos que vêm ao Brasil, além de precisarem se adaptar às mudanças culturais e ao ritmo de estudos em uma instituição de ensino diferente, ainda enfrentam um grande desafio que diz respeito ao aprendizado da Língua Portuguesa.
É importante lembrar que a proficiência em português não é um pré-requisito para que estudantes estrangeiros realizem a mobilidade internacional na UFMG, conforme informado no próprio site da Diretoria de Relações Internacionais (DRI) da instituição. No entanto, uma vez no Brasil, esses alunos precisam aprender a se comunicar não só com a comunidade acadêmica, mas também em situações cotidianas da vida em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.
Pensando nisso, é pertinente pensar sobre as diferenças dos desafios enfrentados pelos intercambistas no aprendizado de Português como Língua Adicional (PLA) a depender do seu idioma nativo e as experiências linguísticas que já adquiriram ao longo da vida. Além disso, é importante analisar quais cursos a UFMG disponibiliza para facilitar esse ensino durante a estadia dos alunos no país.
Para sanar tais questões, conversamos com graduandos de diferentes nacionalidades que vieram ao Brasil no segundo semestre de 2023. Em formato de áudio no fim de cada seção, os estudantes contam um pouco sobre suas experiências com o aprendizado de português, em especial em um estado com um sotaque tão único e marcante como o chamado “mineirês”.
Francês
Estudante de Comunicação na Universidade de Liège, na Bélgica, Clovis Cleven (20), não teve qualquer contato com o português antes de vir fazer mobilidade internacional na UFMG. Agora, com algumas semanas desde que chegou ao Brasil, ele diz ter se acostumado mais com o idioma e compreende algumas coisas.
Tendo como língua nativa o francês, Clovis diz que encontra algumas similaridades entre a língua materna e o português, principalmente pelas duas serem originárias do latim. Apesar de algumas palavras do francês e do português serem bastante semelhantes, ele relata que a pronúncia é um dos seus grandes desafios, além de que a maneira como as pessoas falam no cotidiano é bem diferente do modo como aprende o idioma, principalmente pela fala apressada e cheia de abreviações típicas do sotaque mineiro.
Ana Clara Ferreira, mestre em linguística pela UFMG e professora do curso de Português como Língua Adicional desde 2020, destaca uma das maiores dificuldades dos estudantes falantes de francês:“Alunos franceses têm muita dificuldade com o gênero, porque diferem muito. Eu dei aula semestre passado no avançado, e eles trocavam muito o gênero, na escrita, na fala. E isso é uma questão que eles precisam decorar. Eles precisam decorar o gênero da nossa palavra […]. Isso para eles, principalmente para alunos franceses, é muito difícil.”
Entrevista Clóvis
Entrevista Clóvis
Transcrição:
“Oi, meu nome é Clóvis Cleven, venho da Bélgica, da Universidade de Liège. Sou estudante de comunicação, opção sociologia. Na Bélgica venho da parte francófona. Minha língua materna é o francês e esta viagem ao Brasil foi minha primeira experiência com o português. Nunca tive aula de português, nem mesmo contato com o idioma. Aprendi a língua quando cheguei aqui. Há poucas semanas comecei a me acostumar com o idioma, mas muito pouco. Acho que o francês e o português são bastante semelhantes em muitos aspectos porque ambas são línguas latinas. Para isso tenho a sorte de ter um vocabulário francês próximo do vocabulário português. Para certas palavras posso me orientar. No geral, o português é muito difícil, principalmente gramática e conjugação. Às vezes fico perdido.”
Norueguês
Simen Kokkvoll tem 23 anos, é norueguês e atualmente faz Direito na Universidade de Haia (The Hague University of Applied Sciences) nos Países Baixos.
Ele nunca tinha vindo ao Brasil antes e tentou aprender um pouco de português utilizando o Duolingo, um site e aplicativo móvel de ensino de idiomas bastante popular. Simen também conta que aprendeu um pouco de português com os gibis da Turma da Mônica, tanto com as versões jovens quanto crianças dos personagens criados por Maurício de Souza.
Por já falar espanhol, ele conta que teve mais facilidade de aprender o português. Comparado ao norueguês, sua língua materna, Simen acha as conjugações verbais do idioma oficial do Brasil muito difíceis.
Simen está na turma de nível intermediário de Português como Língua Adicional. As aulas acontecem toda sexta-feira das 14:00 às 17:40 no campus Pampulha e, neste semestre, estão divididas em básico para hispanofalantes, básico para línguas distantes (todas as línguas com exceção do espanhol), intermediário e intermediário superior. Em entrevista, a professora Ana Clara Ferreira, anteriormente citada, conta que praticamente todos os intercambistas que vêm para a UFMG fazem as aulas de português ofertadas pela DRI em parceria com a FALE (Faculdade de Letras). Apenas aqueles alunos que já excederam o limite de créditos de matérias das suas universidades de origem não precisam colocar a disciplina no plano de estudos da UFMG. Para efetivar a matrícula na matéria de PLA, os alunos passam por um teste de nivelamento escrito e oral ou apresentam certificado de proficiência em português, o Celpe-Bras.
Na entrevista a seguir, Simen conta um pouco da sua experiência pessoal com o aprendizado do português.
Entrevista Simen
Entrevista Simen
Transcrição:
“Então, meu nome é Simen, eu sou norueguês e tenho vinte e três anos. Estou fazendo Direito aqui em Belo Horizonte. Não tive muito contato com o português antes de chegar [no Brasil]. Eu fiz o curso do Duolingo, que funcionou muito bem, dois meses antes de vir. Agora estou pegando o curso aqui na Pampulha de português de nível intermediário e estou gostando muito. E sim, eu já falo espanhol, então é mais fácil para mim usar isso para aprender melhor, pois já falo cinco idiomas, já tenho bastante contato com outros idiomas e tenho o meu jeito de aprender que funciona muito bem.”
Espanhol
O espanhol é falado oficialmente em 22 países do globo, tendo diversas particularidades e sotaques diferentes dependendo da região. Cucho Olavarria (24) é chileno e diz que seu sotaque e as diferenças do espanhol falado em seu país dificultam não só a aprendizagem do português, como também a comunicação com outros hispano falantes.
Apesar do espanhol e do português serem línguas muito parecidas, uma vez que têm origem no proto-romântico, variante do latim que vem da Península Ibérica, essas similaridades também podem se transformar em obstáculos para a aprendizagem do idioma.
Ana Flávia Pereira, graduanda em licenciatura dupla português-italiano na UFMG e professora de PLA no curso de férias que ocorreu duas semanas antes do início do período letivo para os intercambistas, conta que é muito importante sempre evidenciar para os alunos as diferenças entre o português e o espanhol, uma vez que as semelhanças já são claras. A professora Ana Clara Ferreira também diz que alunos hispano falantes tendem a cometer muitos erros gramaticais nos estágios iniciais de aprendizado. “Para alunos falantes de espanhol, seja na América Latina ou na Espanha, na hora da escrita eles enganam. Porque eles acham que estão escrevendo em português, mas na verdade eles estão escrevendo em espanhol. Porque é muito parecido, né? Então, não precisa tanto de mecanismos diferentes como o inglês, que troca a ordem das palavras muitas vezes”, ela diz, contando que quando dá aulas para alunos falantes de espanhol, tem sempre que reforçar as diferenças dos idiomas.
Na entrevista com Cucho, os desafios que surgem por conta do “mineirês” são citados. Ele diz que até tentou aprender um pouco mais do idioma com filmes e músicas antes de vir para o intercâmbio, mas que, quando chegou em Belo Horizonte e se deparou com o jeito de falar dos mineiros, o que tinha aprendido não ajudou muito. Ele também diz que gostaria que as aulas de PLA acontecessem mais de uma vez por semana, para que pudesse otimizar o aprendizado da língua.
Entrevista Cucho
Transcrição:
“Eu sou Cucho Olavarria, sou do Chile, da região de Valparaíso. Eu estudo antropologia na Universidade do Chile, em Santiago. Eu estou fazendo aqui um intercâmbio na UFMG. Minha experiência com português foi mais, tipo, de conversa, com a minha família. Porque eu tenho uns tios chilenos que moram em Santos. Então, eles têm filhos, que são meus primos, e quando eu falava com eles eu praticava um pouco de português, mas nunca tive um curso de português. Eu cheguei aqui para aprender português. Quando eu cheguei eu tive muita dificuldade para aprender o português, porque é uma língua que tem muitas variações. As pessoas, geralmente, creem que [o português] é bem parecido com o espanhol, e é, mas também tem várias diferenças, por exemplo a estrutura. Eu tenho que pensar como a estrutura é diferente quando eu quero falar em português, para armar as frases. Também, o português mineiro tem muitas gírias. É difícil, é difícil (risos). Assim, agora eu estou aprendendo com o curso da UFMG, de Português como Língua Adicional e espero aprender mais (risos).
Mandarim
Iris Yang (24), é estudante da Beijing International Studies University na China e, na UFMG, faz disciplinas de Economia.
Por sempre ter estudado inglês e ter feito um curso de espanhol, Iris já tinha contato com o alfabeto ocidental e esse conhecimento a ajuda muito a aprender o português. Por serem de famílias linguísticas muito diferentes, Iris conta que não existem muitas semelhanças entre o mandarim e o português, mas diz que, ao contrário do inglês, no seu idioma materno, assim como no português, existe uma diferença entre os verbos “ser” (是 – shi) e “estar” (在 – zai), uma regra que ela aprendeu mais rápido por conta dessa similaridade.
Quanto às diferenças, Iris destaca os sons muito distintos dos dois idiomas e também os gêneros das palavras, que é algo que não existe no mandarim. A professora Ana Clara também diz que nessas línguas muito distantes, como coreano, mandarim e japonês, é muito difícil para os alunos entenderem o paradigma de conjugação verbal, ou seja, como a conjugação é feita a partir das pessoas do discurso.
Iris está matriculada na turma de português nível básico para línguas distantes e diz que a aula é ministrada em português e inglês, e que o uso deste último, para ela, ajuda a aprender melhor por enquanto.
Entrevista Iris
Transcrição:
“Oi, meu nome é Iris e meu nome chinês é Yang Chunya. Eu estudo na Beijing International Studies University e aqui na UFMG estou cursando Economia. Eu falo Espanhol também, então é um pouco mais fácil para mim entender português. Eu consigo ler em português, mas eu não consigo entender quando as pessoas falam e também não consigo falar em português. Existem muitas diferenças entre mandarim e português, porque o alfabeto e a pronúncia são muito diferentes. Inglês e espanhol são mais parecidos com o português, por isso eu só estudo português a partir dessas duas línguas.”
Alemão
Após vir para o Brasil em fevereiro deste ano, a alemã Janna Leonards (26) voltou para passar mais alguns meses depois de ser aprovada no intercâmbio ofertado pela Fachhochschule Dortmund, University of Applied Sciences and Arts da Alemanha.
Estudante de Artes Visuais, ela diz que o português e o alemão são línguas totalmente distintas, e isso dificulta bastante o aprendizado do idioma. Ela chegou a fazer um curso de português no seu país de origem, mas ele era ministrado em português de Portugal e que, no fim, ele não a ajudou muito a entender a variação brasileira quando chegou aqui. O Duolingo, no entanto, foi mais uma vez citado e a ajudou a aprender o básico da língua.
Janna conta que, para ela, os sons nasais são muito difíceis de serem pronunciados, em especial o ditongo “ão”. Ela diz que por ainda não saber muito português, as aulas são sempre um desafio, mas que seu conhecimento de inglês também ajuda bastante no mundo acadêmico da UFMG.
Nesse aspecto, é interessante pensar como o conhecimento da Língua Inglesa no caso de alguns dos estudantes entrevistados (como Clovis, Iris e agora Janna) viabiliza também o ensino e aprendizado do português, mesmo que o inglês não seja o idioma materno de nenhum deles. Na entrevista com a professora Ana Clara Ferreira, ela mencionou como todos os intercambistas na sua turma deste semestre, sem exceção, tem algum conhecimento de inglês, o que facilita a comunicação entre ela e os alunos.
Entrevista Janna
Transcrição: “Eu sou a Janna, eu sou da Alemanha e lá estudo Cenografia, mas aqui estou em cursos diferentes, Teatro, Artes Visuais. Eu estive aqui no Brasil por um mês, em fevereiro. Foi a primeira vez que eu estive em um país que fala português. Eu aprendi um pouco com o aplicativo Duolingo, mas só isso. Eu estou em um curso de nível básico agora. Eu não acho que exista muitas semelhanças entre português e alemão. Especialmente o som de “ão”, esse som nasal (risos). É muito difícil. Como em “pão”, “cão” (risos). Pois é. E é um som perigoso também (risos).
Expressões brasileiras
Durante o processo de produção da reportagem, os intercambistas entrevistados compartilharam algumas das expressões do português (e outras mais especificamente do “mineirês”) que eles adoram e já estão utilizando!
Confira algumas delas aqui.
Transcrição:
Cucho: “Algumas expressões que eu aprendi aqui do português, ‘mineirês’ são: ‘Tá ligado?!’”
Simen: “‘Que massa,’ ‘Boto fé demais’”
Janna: “‘Que qui cê tá arrumando?’”
Clovis: “‘Daqui para frente é só para trás’”
Iris: “‘Bom dia’, ‘Boa tarde’, ‘Boa noite’”
Clovis: “Minas Gerais adora utilizar a expressão ‘uai’, ‘uai’, ‘uai’”
Cucho: “‘Beleza’ ‘Joia’”
Janna: “Eu gosto muito de como tudo aqui é tão fofo. Como: ‘Bonitinho’, ‘Preguicinha’, ‘Casinha’”
Clovis: “‘Meu Deus, Meu Deus’, eu adoro utilizar”
Simen: “‘Bacana’, ‘Beleza’, ‘Cola aí’, ‘trem’”.
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