Por Gabriel Barcelos e Maria Eduarda Almeida; edição: Maria Eduarda Castro e Matheus Almeida

A cada semestre, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebe dezenas de intercambistas, os quais carregam consigo expectativas sobre as experiências que viverão durante a sua passagem no Brasil. Dessas expectativas, muito se diz sobre as possíveis maravilhas de se estudar no exterior, porém, pouco se comenta sobre uma das partes mais burocráticas de um intercâmbio acadêmico: a sala de aula. Quantas e quais situações um intercambista pode viver nas classes da UFMG? É o que nós tentamos descobrir ao longo da matéria.

Legenda: Sala de aula do Centro de Atividades Didáticas 3 (CAD 3), da Universidade Federal de Minas Gerais.Créditos: Juliana Berzoni / Reprodução ArchDaily.

Claro que qualquer formação e experiência acadêmica, por intercâmbio ou não, vai demandar de cada estudante uma certa submissão a situações-chave e transformações durante o período letivo e a convivência da classe. Nisso entram as dificuldades, os trabalhos em grupo, as discussões, as festas, amizades, descansos, sonhos e as possibilidades que se desdobram dentro do campus. Entretanto, a experiência do intercâmbio promove, por natureza, vivências particularmente cativantes e únicas. Estudantes nativos raramente irão se deparar com algumas situações encontradas por intercambistas. 

Um exemplo mais direto desses “obstáculos” que os estudantes brasileiros não precisam enfrentar tão frontalmente é a barreira do idioma. O português, por muitas vezes, é um problema para os alunos estrangeiros, interferindo na sua comunicação com suas turmas e até mesmo em seu rendimento em atividades e provas. Mesmo com algum grau de entendimento, a dificuldade de compreender integralmente o idioma afeta os estudantes tanto em sala de aula quanto em convivências sociais externas mais amplas, como foi o caso de Nino Marie, estudante francês de Ciências Políticas. 

“É difícil, porque eu consigo entender português, mas é muito difícil e eu não consigo entender todas as conversas entre eles (seus colegas de classe). Se eu não sei falar português, é difícil, você não fala inglês com todos os seus amigos por causa de um cara aleatório de você não sabe onde. Então, eu entendo o porquê. (Nino Marie, em entrevista com tradução própria).

Como apontado na reportagem “Desafios no Aprendizado de Português como Língua Adicional”, a proficiência no português não é necessária para o intercâmbio, mas é uma competência que pode simplificar a vivência do intercambista. Em sala de aula, compreender ou não os colegas e professores pode ser fundamental para definir a experiência de um estudante, podendo significar a diferença entre assimilar o conteúdo ou apenas calar-se por três horas, enquanto a aula não termina. 

No entanto, esse estranhamento inicial do idioma é apenas uma das “dificuldades” encontradas por estudantes e, para ele, existem ferramentas e maneiras de contorná-lo, ou ao menos reduzir seu impacto, como suporte de tradutores virtuais, o gradual costume da fala, aulas de reforço e também o apoio de colegas dispostos a ajudar. Entre os nossos entrevistados, encontramos alguns destes exemplos. Durante as aulas do Laboratório de Produção de Podcasts, no segundo semestre de 2022, Harin Kin, estudante sul-coreana de Publicidade e Propaganda, sempre participava com seu notebook em mãos, pronta para traduzir qualquer questão que surgisse e também para acompanhar a turma. Já Nino encontrou em outros colegas de intercâmbio uma rede de apoio em relação ao idioma.

Muitas outras “barreiras” se materializam em sala de aula. Para alguns, pode ser particularmente difícil interagir com outras pessoas por conta da timidez, por querer evitar a identificação como estudante de intercâmbio, por falta de traquejo, por questões culturais que influenciam no comportamento em sala, etc. Um exercício possível é imaginar como as recepções entre estudantes de diferentes partes do mundo, com diferentes níveis de proficiência em nosso idioma se integram no ambiente acadêmico. Alguém versado no espanhol ou em línguas com raízes latinas teria mais facilidade de compreensão e aproveitamento que falantes de idiomas morfologicamente mais afastados? .

É o caso do terceiro intercambista entrevistado para nossa matéria, Manuel Acuña, uruguaio e estudante de jornalismo, que se entende como alguém extrovertido e propenso à interação. Mesmo que ele aponte não haver uma abertura social muito grande em sala de aula, nem mesmo uma mobilização para acolher o intercambista, a socialização existe dentro e fora do cenário acadêmico. “Agora estou me animando um pouco mais para interagir! Ainda estou em uma língua e em um contexto que é desafiante, o fato de estar mergulhando em um mundo novo… mas estou mais confiante”.

O cenário das aulas pode ser hostil para interações que vão além dos tópicos protocolares das disciplinas. Os entrevistados nos contam que interagir socialmente pode ser uma experiência bastante complicada quando todos ao redor estão focados nas explicações, nos slides e também nos textos. Além disso, por mais que a vivência em sala de aula, nas moradias e pelo campus tenha um lado coletivo, são experiências com um apelo individual muito forte.

Essas particularidades reafirmam o que Manuel definiu como uma “essência heterogênea” de todas as experiências para os intercambistas. As singularidades que cada um traz para dentro das aulas são edificantes para o andamento dessas dinâmicas e seria impossível simplificar qualquer experiência neste texto. Cada um dos entrevistados parte de um lugar diferente do mundo, cresceram falando idiomas muito distintos, se formaram a partir de culturas muito próprias e trouxeram, cada um à sua individual e única maneira, toda essa bagagem para dentro da aula.

E não apenas o idioma e a cultura interferem nas interações. Questões como idade, gênero, credo, raça e nacionalidade mudam tudo, inclusive a recepção dessas pessoas no campus e em aula. Através das entrevistas, ficou evidente o quão específicas e distintas podem ser as experiências dos intercambistas. Sobre as diferenças entre as salas de aula brasileiras e coreanas, Harin disse: “Acho que as aulas na Coreia são um pouco mais formais. Os estudantes brasileiros são amigáveis ​​com seus professores e dão sugestões ou tiram dúvidas livremente durante as aulas. Na Coreia, até o traje dos professores é formal. O professor é alguém com quem não conseguimos lidar confortavelmente, por assim dizer, como um chefe de empresa. Isso porque o respeitam e acham que ele é uma pessoa de alto escalão, mas por conta disso os alunos têm medo de fazer perguntas…”

Legenda: Auditório da Universidade de Seul, na Coreia do Sul. Créditos: Changbok Ko, Reprodução Unsplash.

O Nino também nos disse algo bastante parecido. “Na França temos muitos problemas financeiros. Então a gente não tem tantos professores e professoras para os alunos, que são uns 500 em sala de aula. E, assim, ninguém faz perguntas ou algo assim. E nós temos aqui, tipo, uma vez ou duas vezes por semana, nós temos uma aula, onde nós temos uns 30 ou 40 alunos. Então, é diferente daqui, porque aqui a gente pode conversar com o professor, só falar sobre os assuntos.” 

Já o caso do Manuel foi encontrar no Brasil uma didática bastante similar com a apresentada em seu país. Ele percebeu semelhanças nos conteúdos, autores, trabalhos e salas de aula, facilitando ainda mais sua adaptação. 

E é nesse espaço da didática e das várias abordagens para as salas de aula que o papel dos professores se torna relevante para intercambistas. Nem todos os professores serão abertos, receptivos e dispostos a integrar estudantes estrangeiros em sala, inserindo-os em grupo e incentivando participações mais ativas. Da mesma maneira, também nem todos os professores serão mais restritivos ou indiferentes. O que podemos é observar que qualquer posição do acadêmico, seja o esforço para ajudar o intercambista (quando há abertura) ou a simples neutralidade, pode influenciar muito no processo de adaptação e também aprendizado, que é afinal, um dos vários objetivos do intercâmbio. 

Os professores criaram oportunidades de conversa para eu me comunicar com os colegas. Em vez de simplesmente fornecer as respostas corretas e métodos convenientes, me deram a oportunidade para aprender e experimentar mais.” (Harin Kin) 

Na  opinião de Ângela Marques, professora da Comunicação da UFMG e subcoordenadora do colegiado de Jornalismo, o professor não pode fingir que não existe um aluno com uma condição diferente na sala de aula. “É um aluno estrangeiro que a barreira muitas vezes não está restrita a língua, ela está ampliada na inserção desse aluno em sala de aula, na sua permanência na universidade. O que ele busca é realização e chegar aqui e não ser aceito, não ser ouvido e não se inserir na comunidade acadêmica é também sinônimo de uma derrota.”

Nesse mesmo sentido, também existe a adaptação dos intercambistas ao sistema de avaliação da universidade, que muitas vezes inclui a distribuição de notas por participação efetiva em classe, como comentários durante a aula. E como se avalia a participação de um aluno estrangeiro que ainda não se adaptou ao português e que tem mais dificuldade para expressar seus pensamentos e opiniões? Neste caso, os professores precisam procurar alternativas, afinal, o estudante precisa receber um retorno a respeito de seu rendimento nas disciplinas. Phellipy Jácome, professor da Comunicação da UFMG, reforça ao dizer que “A cobrança (em relação às notas) é a mesma, mas as ferramentas de avaliação são diferentes”.

Esse trabalho de perceber o diferente e reconhecer as especificidades de cada estudante, cada circunstância e também cada individualidade presente em sala é uma responsabilidade que não se restringe às aulas com estrangeiros. É uma leitura básica e importante que, idealmente, se espera do corpo acadêmico e no melhor dos casos é seguida de um acompanhamento mais específico para cada caso. Porém, na realidade das rotinas em sala, as várias responsabilidades, personalidades e também particularidades de disciplinas que a todo instante variam em formato, conteúdo e também execução, promover uma didática “personalizada” para essas circunstâncias é surreal. Não é prático adaptar uma matéria inteira para uma única pessoa ou um grupo pequeno de estudantes em condições particulares, apesar de muitas vezes ser desejado. 

Essa natureza mais “rígida” das disciplinas, porém, não precisa, necessariamente, significar uma restrição para estudantes. Em certas situações, essas “não adaptações” da matéria podem ser benéficas para o intercambista, dando a oportunidade para aprofundar ainda mais seus estudos em nossa língua e integrar de forma mais homogênea o espaço da aula. “Basicamente, estudamos a mesma coisa que os brasileiros, lemos os mesmos textos, fazemos as mesmas provas, os mesmos seminários. Não há coisas adaptadas para nós. Mas tudo bem, porque tenho que ler todos os textos e treinar meu português.”, diz Nino sobre a sua vivência em classes “comuns”.

Mas, talvez, a convivência mais relevante para os estudantes intercambistas em sala de aula seja a com seus colegas de classe. Muito mais do que o possível suporte dos professores, uma rede de apoio construída em sala de aula entre os estudantes é benéfica para todos. Entretanto, é necessário ter uma disposição recíproca para esse diálogo. Se, por um lado, os universitários brasileiros precisam estar abertos a receber os intercambistas, estes, por sua vez, também precisam demonstrar interesse na comunicação, para que de fato seja estabelecido um vínculo, uma conversa. Pedro Sena, estudante de Jornalismo, compartilhou conosco suas experiências em diferentes disciplinas com a presença de alunos de intercâmbio. Para ele, que cruzou seu caminho com cerca de seis estudantes internacionais, a conexão é uma via de mão dupla. Em uma das turmas que frequentou, os alunos tentaram acolher um estudante alemão, no entanto, não receberam uma resposta positiva dele.

Além disso, também existem aqueles casos em que a presença dos intercambistas nem ao menos é notada em aula, tornando o contato inicial mais superficial. “Eu acho que, a princípio, eles (os alunos brasileiros) agem como se o intercambista fosse um aluno qualquer em sala de aula. Mas existe uma grande receptividade de quem já conhece os intercambistas antes do início das aulas.” pontua Cesar Ferreira, estudante de Jornalismo, colega de classe e “padrinho” do Manuel e outros intercambistas.

O que podemos deduzir disso tudo é que existem diversos tipos de vivências para um aluno estrangeiro em sala de aula, onde inúmeras ramificações são possíveis. Cada um dos intercambistas com quem conversamos teve, ou está tendo, uma experiência muito própria tanto dentro quanto fora das salas de aula. Se para nós, estudantes de graduação nativos, estar na universidade já é uma experiência bastante complexa e incabível de se descrever em poucas palavras, mais incabível ainda seria resumir a experiência de intercâmbio como isso ou aquilo.

O Manuel, nas semanas que antecederam a viagem, teve muito temor; sua cabeça estava cheia de ansiedades, mas agora, além de mais tranquilo, até mesmo lamenta não poder ficar mais tempo em terras brasileiras. A Harin comentou que guardará dinheiro para que no futuro volte ao Brasil e que aqui guarda muitas lembranças felizes. E Nino, que apesar de estar aqui há apenas alguns meses, já afirma preferir a didática nas aulas que conheceu por aqui e que pretende aproveitar ao máximo cada instante de sua permanência. No fim, o que verdadeiramente importa é a experiência de cada um deles e as memórias que levarão para casa.

Conheça os intercambistas

Convidamos vocês a conhecerem a Harin, o Manuel e o Nino, nossos personagens principais nessa matéria, que se apresentam à sua própria maneira.

Harin
Manuel
Nino